- A Route35 ajuda grandes montadoras a se adaptarem à decisão da União Europeia em eletrificar completamente seus carros e vans até 2035;
- Por mais que muitos países tenham objetivos de eletrificação, como China, Japão e Estados Unidos, a lei europeia é uma das mais ambiciosas;
- Uma eletrificação em larga escala dos meios de transporte pode trazer consequências geopolíticas em diversos âmbitos de uma nação ou região.
Em uma assembleia em outubro de 2022, a União Europeia tomou uma decisão interessante, que até desagradou alguns líderes do bloco econômico, como Giorgia Meloni, primeira-ministra da Itália: Proibir completamente a venda de carros e vans a combustão, movidos por gasolina ou diesel, a partir de 2035.
Por afetar diretamente 27 países-membros da UE e a Europa possuir grandes e renomadas empresas no ramo, essa pode ser considerada a descarbonização mais radical da indústria automobilística.
É claro que, com uma lei que afeta uma grande indústria, muito presente na Europa, os empresários do ramo se sentem pressionados. E foi daí que surgiu a Route35, uma comissão liderada por Thierry Breton, comissário europeu, com o objetivo de analisar se a Europa está realmente no caminho de implementar milhões de carros elétricos até 2035.
O termo significa literalmente “Rota até 2035” e os especialistas se reunirão pela primeira vez no início de dezembro de 2022. A ideia é que eles se encontrem a cada três meses para verificar o andamento da instauração da tecnologia de carros elétricos na União Europeia.
Mas quais as consequências e influências geopolíticas na decisão?
Como a União Europeia pretende acabar com a venda de carros de combustão interna até 2035 e vender somente elétricos
Na União Europeia, o único setor que aumentou a emissão de gases do efeito estufa nas últimas três décadas foi o automobilístico. Mesmo com esse aumento, segundo o parlamento europeu, a decisão de eletrificação da frota reforça que os países membros estão dispostos a alcançar até mesmo as metas mais ambiciosas na Lei do Clima da União Europeia.
A produção de carros a combustão não será encerrada de forma drástica e repentina. A ideia é que isso seja uma transformação gradual e que, em até 2030, as emissões dos novos carros vendidos tem que ter diminuído em 55% comparado a 2021.
Além disso, as maiores montadoras europeias pretendem gastar rios de dinheiro com estudos de desenvolvimento e produção de veículos elétricos. A Volkswagen, da Alemanha, planeja um orçamento de 100 bilhões de dólares, que visa criar seu próprio catálogo de veículos movidos a eletricidade e construir novas fábricas.
Já a Mercedes-Benz, também marca alemã, investiu quase 50 bilhões de dólares para produção e montagem de carros elétricos. A BMW, alemã como os outros exemplos, também segue a linha de suas concorrentes, planejando um investimento de pelo menos 35 bilhões em produção de baterias que suportam um grande abastecimento e criação de veículos.
Apesar de tudo, é interessante lembrar que a lei ainda não está em vigor, pois ainda precisa passar pelo processo de adoção formal pelo Parlamento e pelo Conselho, além da burocracia de publicação no Diário Oficial da União.
O objetivo de eletrificação anunciado pela União Europeia com a nova lei já foi publicado no site oficial da Comissão Europeia. O desejo é que o continente se torne o primeiro neutro em termos climáticos até 2050 e que o Acordo Verde Europeu (European Green Deal) se torne, finalmente, uma realidade, fazendo com que a economia e sociedade se transformem em algo sustentável, justo e próspero.
Como a eletrificação da frota de carros Europeia é uma das mais ambiciosas do mundo
Por mais que outros países, principalmente as maiores potências, já tenham leis e regulações para carros a combustível fóssil, a da União Europeia ainda aparenta ser a mais ambiciosa e rígida no assunto.
Na Noruega, país europeu, mas que não participa da União Europeia, a venda de carros movidos a combustível fóssil tem uma data de validade ainda mais curta que o estipulado pela União Europeia. A ideia é que lá os carros elétricos sejam cem por cento das vendas no setor de veículos já em 2025.
Pode parecer uma data muito próxima ou até irreal, mas em 2020 as vendas de carros elétricos superou o de carros a combustão, segundo dados do governo norueguês. Lá, um dos principais desafios para a implementação da tecnologia é a autonomia dos veículos, que podem perder até 40% de sua capacidade de transporte dependendo do clima.
Como incentivo para que a população compre a ideia, o governo da Noruega decidiu conceder a isenção total de impostos para aqueles carros que se movem puramente a partir de eletricidade.
No Japão, uma das maiores potências asiáticas na produção de carros, sendo lar de montadoras como a Honda, Nissan, Toyota e Mitsubishi, a meta é zerar a emissão de carbono, independente dessa emissão ser a partir de carros ou não, até 2050.
A ideia é que a venda de carros cem por cento movidos a combustão, o que não inclui veículos híbridos, também acabe até 2035.
Segundo o gabinete do primeiro-ministro das terras nipônicas, a ideia é que a partir do ano de 2030 mais da metade dos carros rodando no Japão sejam elétricos. Além disso, haverá incentivo para as montadoras produzirem o produto.
Sendo um país extremamente industrializado e liderando a lista de poluidores mundiais, a China divulgou em setembro de 2017 que Pequim tinha planos de parar de fabricar veículos a combustão até meados de 2035, mas informações maiores não foram divulgadas.
Mas mesmo sem uma lei efetiva, o país promove e incentiva o uso de veículos elétricos, fazendo esse ser um país disputando o primeiro lugar na indústria, sendo responsável por mais da metade das vendas de carros elétricos em escala global no ano de 2021.
Mas Hainan, uma ilha no extremo sul da China, foi a primeira província do país a banir a venda de carros movidos a combustível fóssil até 2030. Para que isso funcione, existirão incentivos fiscais e expansão de postos de recarga.
A Califórnia, nos Estados Unidos, estado onde nasceu a Tesla, um dos maiores nomes na produção de veículos elétricos, e Nova Iorque desejam que o fim da produção e cercamento de seus veículos a combustão aconteça até meados de 2035.
O plano nacional doa Estados Unidos é que, assim como na União Europeia, metade das vendas dos carros zero km sejam de veículos movidos a energia elétrica, mas nenhuma lei foi criada como no bloco econômico europeu.
Mas é claro que além das pautas verdes, que começaram a ganhar muita força nos últimos anos quando os números de emissão de gases carbônicos explodiu e o clima começou a ser uma preocupação feroz dos governos nacionais, também existem diversos outros fatores geopolíticos que incentivam a adoção mais forte dessas medidas ambientais ecológicas.
Como a corrida pelo desenvolvimento e produção de carros elétricos pode ser vista pelas lentes da geopolítica
É inegável que as maiores preocupações das nações sempre estão interligadas com o cenário geopolítico ao tomarem suas decisões, então esse é um aspecto muito importante de ser dito quando se trata de uma eletrificação global dos transportes.
Primeiramente, muitos países ainda não contam com uma base energética sustentável muito forte, mesmo que ela seja de extrema importância para a criação de uma matriz energética resiliente. Dessa forma, os países iriam cooperar ou lutar por recursos, como em uma faca de dois gumes.
Vale também ressaltar que muitos países exportadores de petróleo perderiam uma parte de sua influência geopolítica, considerando que o petróleo não seria mais uma necessidade tão grande, como Noruega, Arábia Saudita, Rússia, Venezuela e México, que são os países que mais exportam petróleo mundialmente.
Mas ao mesmo tempo em que países que exportam muito petróleo podem não ver vantagens nessa eletrificação em massa dos transportes, países que contam com uma boa matriz energética eletrificada e não a base de combustíveis fósseis vê vantagens nos veículos elétricos. É o caso da China, que além de querer liderar esta tecnologia, está tratando essa eletrificação como uma indústria estratégica para não depender da importação de petróleo de outros países.
No plano “Made In China 2025”, o país visa ter um grande controle na produção mundial de carros elétricos, com empresas no ramo de baterias elétricas recebendo incentivos do governo.
Segundo uma estimativa de uma ferramenta do portal Carbon Tracker, se os países conseguirem cumprir suas metas de eletrificação até 2035, o consumo de petróleo pode cair oito milhões de barris por dia. Assim, a dependência que os grandes países têm do Oriente Médio pode cair. De acordo com um estudo de Jeff Colgan de 2013, desde 1970, o petróleo foi responsável por um quarto e meio dos conflitos mundiais e tensões militares.
Entretanto, é impossível acreditar que os conflitos geopolíticos vão se extinguir magicamente pela troca do uso do petróleo por energia elétrica.
O acesso aos recursos energéticos para a implantação de uma indústria de veículos eletrificados também pode ser um fator base de conflitos geopolíticos. Lítio, cobalto, níquel e tantos outros minérios serão de grande importância para a produção de carros elétricos e, como o petróleo, esses minerais são encontrados apenas em regiões específicas.
Conflitos em busca pelos recursos naturais utilizados para produzir a nova tecnologia podem acontecer assim como aconteceu com o petróleo na Guerra do Golfo ou na invasão do Iraque em 2005. A concentração desses minerais em algumas localizações específicas pode trazer complicações para esses países, como a República Democrática do Congo, que possui mais da metade da produção de cobalto, usado nas baterias de carros elétricos.
Ademais, assim como após a Segunda Guerra Mundial apenas algumas empresas dominavam o mercado de produção de petróleo, um monopólio também pode ser criado no fornecimento desses minérios.
A corrida para sair na frente das outras nações nessa tecnologia já começou. Além da China que possui grandes ambições, a União Europeia com o tratado do fim dos carros a combustão até 2035 também já está construindo grandes fábricas que produzem baterias para abastecer suas montadoras, além da agência de inovação do Reino Unido ter aprovado o estudo no uso de satélites para buscar lítio na Cornualha, uma região no sul da ilha.
Além disso tudo, as indústrias automobilísticas já existentes também poderiam ser afetadas por essa eletrificação, principalmente na Europa, Japão e EUA, que possuem as maiores montadoras do mundo. É por isso que empresários das grandes empresas europeias na produção de veículos já mostraram interesse em colaborar na Route35 para buscar caminhos viáveis.
Independente de todas as questões acima, as vantagens econômicas para um país que tenha maiores avanços e mais tecnologia em uma indústria em crescimento são gigantes, principalmente no quesito exportação.
Por que a eletrificação das frotas mundiais de carro é importante para a geopolítica e influência mundial
Sendo uma preocupação apenas com o poder geopolítico da nação ou por interesses reais em pautas sustentáveis, é fato que uma expansão na venda de carros elétricos não será uma perda para a população mundial.
Além disso, é extremamente complexo tentar prever todos os impactos geopolíticos que essa onda de eletrificação de veículos pode causar no cenário geopolítico, sendo possível apenas analisar alguns possíveis desmembramentos considerando questões políticas vigentes e passadas. E, com a Route35, pode ser que as montadoras europeias não sintam impactos tão grandes em sua produção e até saiam mais fortes depois dessa transição.
Ou seja, uma nova “corrida da eletrificação” entre as grandes potências mundiais começou. Os Estados Unidos com a Tesla saiu na frente. A China com sua própria produção de carros elétricos para o mercado doméstico não está ficando para trás. Com a Route35, a União Europeia pretende entrar no jogo e possivelmente sair como uma das vitoriosas nesta corrida a longo prazo, e assim aumentar sua influência geopolítica com o domínio e exportação da tecnologia de carros elétricos para o mundo.
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