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Como a Mega Descoberta de Terras-Raras na Noruega Enfraquece o Poder Geopolítico da China e Fortalece o Europeu

  • As terras-raras são elementos considerados essenciais para a transição verde e sua demanda apenas cresce na indústria global;
  • A Noruega descobriu o maior depósito de terras-raras da Europa e será o primeiro país do continente a extrair esses minerais;
  • Atualmente, a China domina o mercado desses minerais, usando-os como ferramenta geopolítica, mas a descoberta norueguesa pode alterar esse cenário global.

As terras-raras são considerados extremamente críticos para a indústria atual, sendo usados para tecnologias diversas, principalmente aquelas atreladas à transição verde. Recentemente, a Noruega descobriu o que pode ser a maior reserva desses minerais na Europa.

O mercado de terras-raras, até então, é dominado pela China, que tem um histórico de usar esses elementos como arma econômica para alcançar seus objetivos geopolíticos. 

Dessa forma, a descoberta norueguesa e uma possível independência estratégica da Europa e dos Estados Unidos em relação ao acesso a terras-raras, pode influenciar no mercado global desses minerais e na geopolítica em si.

O que são as terras-raras e para o que elas servem

De acordo com a União Internacional de Química Pura e Aplicada, as terras-raras – também conhecidas como materiais de terras raras – são compostas por 17 elementos químicos diferentes.

Apesar do nome, esses 17 elementos não são terras e podem ser comumente encontrados na natureza. Essa denominação foi dada porque os elementos foram encontrados pela primeira vez em minerais raros e exóticos. Já o termo “terra” referia-se a óxidos metálicos, então terras-raras seriam os óxidos desses elementos.

Além disso, as terras-raras não são encontradas em jazidas de concentrações abundantes, mas ficam dispersas na natureza. Já o processo de separação e extração é complexo e custoso.

As terras-raras podem ser subdivididas em três grupos de acordo com sua densidade:

  • Leve: Lantânio (La), Cério (Ce), Praseodímio (Pr), Neodímio (Nd) e Promécio (Pm);
  • Médio: Samário (Sm), Európio (Eu) e Gadolínio (Gd);
  • Pesado: Térbio (Tb), Disprósio (Dy), Hólmio (Ho), Érbio (Er), Túlio (Tm), Itérbio (Yb), Lutécio (Lu), Ítrio (Y) e Escândio (Sc).

A importância das terras-raras na sociedade são inúmeras. Esses elementos podem ser utilizados em uma ampla gama de produtos, que variam desde vidros e cerâmica até equipamentos militares. Atualmente, a maior demanda das terras-raras provém de dois fatores:

  • Produtos eletrônicos: Por serem materiais com características dúcteis, maleáveis, magnetizáveis, condutores de calor e de eletricidade, as terras-raras são muito utilizadas na indústria da tecnologia.

Por exemplo, os celulares, tablets e televisores que utilizamos no dia a dia possuem terras-raras em seus componentes, principalmente em baterias e telas de alta resolução

Além disso, equipamentos médicos (como máquinas de ressonância magnética), lâmpadas fluorescentes e radares de comunicação também apresentam elementos considerados terras-raras.

Com uma preocupação crescente com as mudanças climáticas e a necessidade de investimento em energia sustentável, é esperado que a procura pelas terras-raras aumente gradualmente.

Isso acontece pois esses elementos são usados principalmente nas baterias de carros elétricos e nas turbinas de energia eólica.

O histórico da China usando terras-raras como arma geopolítica

Ter recursos naturais estratégicos e considerados importantes para a indústria mundial dá aos países diversas vantagens em negociações geopolíticas. A China com as terras-raras é um grande exemplo disso. O país possui as maiores reservas do mundo, com cerca de 44 milhões de toneladas, além de ser responsável pela maior parte da produção e processamento desses elementos. 

Foi a partir dos anos 80 que a China se tornou gigante nesse mercado, percebendo a importância de investir em tecnologias e recursos para aumentar a capacidade de extração das terras-raras. Em 1992, o país já declarava a importância geopolítica desses elementos com Deng Xiaoping, o então líder chinês, dizendo que:

“O Oriente Médio tem petróleo, a China tem terras-raras.”

A primeira vez que a China usou explicitamente as terras-raras como uma ferramenta geopolítica foi em 2010, durante um confronto diplomático com o Japão. Na época, um capitão de um navio chinês foi preso pelas autoridades japonesas após colidir com uma embarcação da guarda costeira nipônica. Isso aconteceu próximo a ilhas que eram disputadas por ambos os países e o Japão alegou que o acidente na verdade tinha sido proposital.

Após o Japão se negar a soltar o capitão, a China impôs um embargo não oficial às exportações de terras-raras para o Japão, ou seja, proibiu a comercialização com o país, mas não abertamente. Isso destacou a vulnerabilidade de Tóquio.

Nos últimos anos, as tensões geopolíticas entre China e Estados Unidos pela hegemonia global têm trazido as terras-raras novamente ao centro das discussões. Em 2018, durante a guerra comercial entre os dois países, catalisada pelo ataque de Donald Trump aos produtos chineses, houve especulações de que a China poderia restringir as exportações de terras-raras para os EUA, mas isso acabou não acontecendo.

Entretanto, no final de 2023 foi anunciado que a China iria aumentar o controle sob a exportação das terras-raras, exigindo que os compradores relatassem o destino dos elementos vendidos. Essa declaração deveria vigorar até o final de 2025 e muitos acreditaram que esse movimento foi uma estratégia para levar vantagem nas negociações da cúpula que uniu Xi Jinping e Joe Biden.

Esses acontecimentos fizeram com que os países começassem a investir em alternativas que diversificassem a fonte de importação desses elementos, além de investir na extração, reciclagem e potenciais substitutos das terras-raras, com o objetivo de se tornarem menos dependentes ou “reféns” da China.

Todavia, a China continua sendo a maior produtora das terras-raras, o que é um problema para os países dependentes. Em 2022, o país foi responsável por 40% do total das terras-raras importadas pela União Europeia e foi considerado pelo bloco econômico um grande parceiro comercial. 

A mega descoberta das terras-raras pela Noruega

Em 6 de junho de 2024, uma nova descoberta na Europa parece ser o alívio para a grande dependência europeia da exportação de terras-raras chinesas. 

Após uma investigação geológica, a mineradora Rare Earths Norway divulgou dados sobre o que, até então é o maior depósito de terras-raras da Europa, com cerca de 8,8 milhões de toneladas do elemento, dos quais 1,5 milhões de toneladas podem ser utilizados em baterias elétricas e turbinas eólicas.

Esses recursos estão concentrados no Complexo Fen Carbonatito, no município de Nome ao sudoeste da capital norueguesa, Oslo. O local é onde há 580 milhões de anos existia um vulcão ativo, que após sua extinção teve a parte superior erodida. 

Ainda segundo a Rare Earths Norway, o magma que se solidificou no vulcão agora contém elementos de terras-raras, como o neodímio e o praseodímio e é provável que os depósitos atinjam cerca de mil metros abaixo do nível do mar.

Além disso, o governo da Noruega também quer apostar em ter a indústria mineral mais sustentável do mundo, trabalhando em um conceito de extração Invisible Mine.

Como a descoberta do maior depósito de terras-raras na Europa – e também no Brasil e Groenlândia – enfraquece o oligopólio e poder chinês nesse setor

A história da China no uso de terras-raras como arma para negociações geopolíticas demonstra a necessidade estratégica de ter os recursos naturais considerados importantes no cenário internacional.

Através do investimento em controle da produção e fornecimento desses elementos cruciais, a China tem conseguido influenciar políticas econômicas e industriais globais, ao mesmo tempo em que fortalece sua posição no cenário global.

As relações entre os Estados Unidos e Europa com a China estão tensas. A União Europeia se mantém cautelosa em relação à aliança chinesa com a Rússia, já o país americano mantém uma guerra comercial com o gigante asiático que se estende por um longo tempo.

Com a nova descoberta das terras-raras pelo país nórdico, os Estados Unidos e a União Europeia podem ficar um pouco menos dependentes do fornecimento desses minerais por parte da China. Esse é um movimento geopolítico muito importante, já que antes disso não havia nenhuma extração de terras-raras em território europeu.

Apesar de não ser um país membro da União Europeia, a Noruega faz parte do Espaço Econômico Europeu (EEE), que promove a livre circulação de bens, pessoas, serviços e capitais pela Europa e está intrinsicamente ligada à União Europeia. Além disso, os Estados Unidos e a Noruega têm uma forte parceria histórica nos âmbitos militar, educacional, cultural e econômico, já que o país escandinavo exporta petróleo, gás natural, produtos marítimos e outras mercadorias para a América e faz parte da OTAN.

É evidente que, para os EUA e a UE, é imensamente mais vantajoso importar terras-raras de um país parceiro e aliado e ficar mais livre da China, que poderia usar a dependência de seus produtos como estratégia de negociação.

Além disso, o Brasil também começou a investir na produção nacional de terras-raras no início de 2024. É estimado que o país possua a terceira maior reserva do mundo desses minerais e isso pode ser uma outra aposta para desafiar a hegemonia chinesa no mercado internacional, mesmo sendo um país com boas relações com Pequim via o grupo BRICS.

Por fim, próximo aos EUA, a Critical Metals Corp adquiriu o controle do projeto Tanbreez da Groenlândia, que afirma ser o maior depósito de terras-raras do mundo e que espera abastecer a Europa e a América do Norte.

Dessa forma, a descoberta norueguesa, além dos investimentos brasileiros e groenlandeses, podem enfraquecer o poder geopolítico que a China detém com suas grandes reservas e exportação de terras-raras e assim minar uma das muitas ferramentas que Pequim possui hoje em dia para tentar se consolidar como potencia global.

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