Press "Enter" to skip to content

O que é o “European Chips Act” e a busca da União Europeia por Soberania Digital na Produção de Semicondutores

A Comissão Europeia divulgou no início de 2022 a nova política de desenvolvimento europeu: o “European Chips Act“, ou Regulamento de Circuitos Integrados europeu. Seu objetivo é solucionar os problemas de produção e falhas na cadeia comercial de semicondutores registradas pela economia da União Europeia, a partir do aprofundamento de pesquisa tecnológica e capacidade produtiva interna para diminuir a dependência de importações.

Com a escassez de semicondutores em nível mundial durante a pandemia de COVID-19, diversos países sofreram com o escancaramento da sua dependência dos os países asiáticos, como Coréia do Sul e Taiwan que produzem cerca de 83% dos microchips fornecidos no mundo. A partir disso, os países estão em uma busca pela autonomia estratégica de outros atores, baseando-se no maior desenvolvimento produtivo interno de microchips para alcançar essa mudança.

Mas os semicondutores possuem uma outra importância para o futuro da economia global, podendo ser considerados o “novo petróleo” comercialmente. Portanto, essa busca por uma produção nacional de microprocessadores não representa somente uma libertação do monopólio asiático, mas também um aumento de poder geopolítico.

Fonte: Pixabay

O que é o Regulamento de Circuitos Integrados europeu ou “European Chips Act”

Com a pandemia de COVID-19, a União Europeia enfrentou grandes crises de escassez na sua cadeia produtiva, demostrando a necessidade de fortalecer sua produção interna de produtos essenciais para garantir uma maior soberania.

O crescimento da demanda por microchips sofreu um grande impacto por conta da pandemia. O alto uso das plataformas virtuais impulsionou o crescimento de indústrias de tecnologia digital, que consequentemente impulsionam as produções de semicondutores.

No dia 8 de Fevereiro de 2022, a Comissão Europeia anunciou o seu plano econômico e industrial “European Chips Act”, ou o Regulamento de Circuitos Integrados Europeu. O principal objetivo desta ação é dobrar a produção europeia de microchips até 2030, saindo de 9% de participação global atual para 20%.

“A Comissão propôs hoje [8 de Fevereiro de 2022} um conjunto abrangente de medidas para defender a segurança do aprovisionamento, a resiliência e a liderança tecnológica da UE no domínio das tecnologias e aplicações de semicondutores. O Regulamento de Circuitos Integrados europeu reforçará a competitividade e a resiliência da Europa e ajudará a concretizar a dupla transição digital e ecológica.”

Comissão Europeia

Em 2021, a Comissão declarou a entrada da Europa na “Década Digital”, um fortalecimento nas pesquisas e produção de tecnologia profunda e de ponta para se tornar um continente mais independente de importações e que possui uma indústria bem desenvolvida em até 10 anos. O European Chips Act é uma ação dentro deste objetivo geral.

O Regulamento conta com três esferas de ação principais: a “Chips For Europe Initiative” (Iniciativa Chips para a Europa), o “Chips Fund” (Fundo de Chips), e a construção de ferramentas de coordenação.

Primeiramente, a “Chips For Europe Initiative” é uma cooperação entre o investimento público e privado de cerca de 11 bilhões de euros (US$12,6bn) e mais 15 bilhões vindos da iniciativa privada. Seu funcionamento se dá como uma empresa, com a Chips Joint Undertaking, de foco no desenvolvimento em pesquisa e inovação em desenvolvimento tecnológico.

Já o “Chips Fund” é um mecanismo de atração do capital privado para investir em Pequenas e Médias Empresas (PME), como startups de tecnologia, com apoio do European Investment Bank Group. Com cerca de 2 bilhões de euros, a busca é por soluções para a melhoria da produtividade industrial de semicondutores.

A terceira esfera é uma construção de mecanismos de monitoramento e coordenação de mercado. Esta é a criação de um sistema de ferramentas de coordenação em âmbito nacional dos Estados-membros, mas também em nível intergovernamental da União Europeia. Dessa forma, cria-se um plano de gerenciamento de crises podendo garantir uma estabilidade e segurança, com a vantagem de conhecimento e maior aproveitamento da sua posição comercial em momentos de crise.

No total, o Chips Act já ultrapassa dos 43 bilhões de euros (cerca de US$49,2bn) para a consolidação da indústria tecnológica de inteligência artificial, carros elétricos e mais avançados, data e nuvem, espacial e militar com base no aprofundamento da produção de semicondutores.

O que é a busca da União Europeia por soberania geopolítica digital

Na indústria de semicondutores, a UE já possui uma pequena participação principalmente no setor de componentes, pesquisa de tecnologia e materiais e equipamentos para produção em larga escala.

Contudo, em momentos de interrupção da cadeia produtiva, principalmente em crises, essas áreas de atuação não se fazem suficientes para assegurar uma estabilidade econômica e tecnológica, já que ficam extremamente fragilizadas.

A busca pelo fortalecimento do mercado interno europeu tem sido um objetivo recente e geral da UE formando “campeões europeus” na produção de tecnologia avançada para diminuir a sua dependência de países exportadores. 

A pandemia e a crise global da cadeia produtiva mostraram a importância de avanços tecnológicos e pesquisas de ciência aprofundadas, além de escancarar a escassez da indústria europeia e a necessidade de seu fortalecimento, exigindo a criação de mais soberania para acabar com a insegurança de mercado da UE. As empresas de automóveis, por exemplo, registraram a perda de milhões com a queda de produtividade em até ⅓ .

O Chips Act possui objetivos de mudar esse cenário e prevenir que isto ocorra novamente, com o objetivo a curto prazo de aumentar a resistência para momentos de crise; a médio prazo, ajudar a fortalecer a base industrial para se tornar líder mundial na produção de semicondutores e assim mais independente; e a longo prazo, o objetivo geral, de investir na pesquisa tecnológica para conquistar o século XXI.

A soberania digital não é somente sobre a autossuficiência da produção, mas também da própria solidificação da União Europeia em toda cadeia de suprimento, enquanto produtora e exportadora de tecnologia.

A UE flexibilizou as leis para facilitar o desenvolvimento industrial, facilitando o investimento externo e produção nos Estados-membros. Dessa forma, o propósito é estimular a produção e diversificar o mercado do eixo Ásia-América. Contudo, a ação foi alvo de críticas já que, no final das contas, vai privilegiar os Estados maiores como França e Alemanha onde já há alguma produção e pesquisa de chips, enquanto que Estados menores só sofrerão na “corrida interna por subsídios”.

A busca por soberania não é fácil e não possui regras claras, necessita de tempo e um plano de ação conciso. A UE está nesse processo por necessidade, mas poderá colher grandes vantagens após a concretização do Regulamento.

Independência comercial permite a maior liberdade, além de desenvolver a sociedade internamente e internacionalmente.

Quais são os principais produtores de semicondutores do mundo na nova tecnológica do século 21 

Atualmente, a UE consome 30% dos recursos mundiais de computação de alto desempenho (HPC), enquanto produz somente 6%. Dentro dessa porcentagem, cerca de 5,2% são fornecidos pela Francesa Atos, empresa europeia que possui o monopólio de produção tecnológica da região.

Enquanto isso, na Ásia, 83% do fornecimento mundial é originado de Taiwan e Coréia do Sul, com 50% vindos somente de Taiwan. A indústria de semicondutores é dominada pela Taiwan Semiconductor Manufacturing Co (TSMC) e Samsung, com a Intel americana em terceiro lugar mas com grande distância dos líderes. 

Outra consequência da pandemia foi o aceleramento da indústria digital por conta do alto uso virtual e demanda pela sociedade, impulsionando a produção de semicondutores ainda mais. Contudo, a concentração entre esses fornecedores criou um monopólio da Ásia e EUA, deixando os outros países em uma situação de dependência profunda pela falta de diversidade de mercado.

E os Estados Unidos nessa nova competição tecnológica mundial….

Não é somente a UE que está criando novas políticas para avanço produtivo de microchips, o próprio EUA possui US$53 bilhões investidos para o “C.H.I.P.S. Act” (sigla em inglês para “criação de incentivos úteis à produção de semicondutores”), assim como a China e Japão também estão impulsionando seus planos de produção interna com políticas públicas.

Os processadores americanos são mais caros que os asiáticos, já que a Ásia possui a maior parte da capacidade de produção atual e os Estados Unidos terceirizam sua fabricação para a Ásia. Portanto, a busca é fortalecer a base produtiva interna, pois a maior quantidade das ações de mercado de microchips são dos EUA (cerca de 47% em 2020) mas a sua fabricação é de 12% atualmente, bem menor do que a de 1990 que era 37%. Enquanto isso, a China e a Coréia possuem 80% da fabricação atualmente.

O jogo comercial é focado nesses três atores enquanto os outros tentam se fortalecer para não estar sob influência completa do monopólio atual.

Por que chips ou microprocessadores são o petróleo do futuro

A demanda de microprocessadores vem aumentando exponencialmente, já que é a base para produções tecnológicas mais avançadas.

A produção concentrada em Taiwan e Coréia do Sul causa diversos obstáculos para os outros atores, já que dependem de um monopólio controlado. Ambos possuem grande poder geopolítico, podendo agir como a “nova OPEP” dos microchips sobre a demanda mundial e principalmente chinesa.

Com a demanda por semicondutores cada dia maior, quem detém atualmente a produção possui um privilégio de ter os grandes atores mundiais dependendo da sua manufatura, como a União Europeia, EUA, China e outros. 

Antigamente, principalmente nos anos 80, esta relação acontecia no campo do combustível fóssil do Oriente Médio, onde a hegemonia de mercado se concentrava. Porém, com a queda das energias não-sustentáveis e a inovação tecnológica crescendo, a previsão é que os semicondutores substituam cada vez mais a importância geopolítica e econômica do petróleo.

A OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) é um órgão intergovernamental regulador de mercado entre os maiores exportadores de petróleo. Como a produção de microchips é em sua maioria asiática, a “nova OPEP” dos microchips seria formada pela Coréia e Taiwan, tendo a vantagem comercial de pouca competitividade e ditando o mercado de acordo com seus próprios critérios.

E a China não vai entrar nesta corrida dos Chips?

A maior demanda de semicondutores atualmente vem da China, importando cerca de US$350 bilhões em 2020, o que ultrapassa o gasto com petróleo pelo país no mesmo ano. 

Desde 2005, o país asiático é o líder da importação de microchips, mas vem com projetos bem sucedidos de fortalecer a produção doméstica para diminuir a dependência com a produção coreana e estadunidense. Até 2025, Pequim planeja alcançar 70% de autossuficiência produtiva de microchips.

É por conta disso e da rivalidade com os Estados Unidos que a China batalha por controle sob Taiwan, pois assim teriam a maior produção de microchips do mundo em seu território. E este também é o motivo do próprio EUA defender Taiwan contra o avanço chinês.

O mundo durante e no pós-pandemia de COVID-19 sofreu com uma escassez geral de microprocessadores pela falta de diversidade da cadeia produtiva. Mas a grande demanda chinesa pode estar contribuindo para este déficit também, consolidando um mercado desigual de baixa diversidade mas uma demanda hegemônica.

A queda comercial fez com que empresas como a General Motors (americana) sofresse com a queda da produção automotiva e fechasse 4 fábricas em 2021, o que compromete a recuperação econômica  dos EUA.

Portanto, com os avanços da sociedade e da pesquisa em tecnologia os países possuem duas saídas com base no cenário atual: buscar a maior autonomia produtiva ou depender do monopólio quase exclusivo da Ásia.

O objetivo da União Europeia com o Chips Act é não estar sob a influência comercial de nenhum outro ator, crescer a indústria interna e corrigir as falhas da sua cadeia produtiva. Se o regulamento for bem sucedido, poderá representar não somente uma força interna da UE, mas um reposicionamento no jogo comercial geopolítico. Quem possui microchips, possui o poder.

2 Comments

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.