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Como a Pandemia e a Ucrânia Incentivaram Mais Nacionalismo Econômico pelo Mundo Levando a uma Desglobalização

  • A pandemia de COVID-19 expôs a fragilidade da interdependência do mercado global;
  • Com o aumento dos riscos políticos durante a guerra na Ucrânia, destacou-se mais uma vez os pontos negativos da natureza interconectada do comércio global.
  • Apesar dos custos, países estão optando pelo reshoring, no caminho do nacionalismo econômico e em busca da soberania estratégica.

Logo após a crise da pandemia de COVID-19 e ao longo da guerra na Ucrânia, os riscos associados à natureza interconectada do comércio global foram expostos. A grande dependência de produtos estrangeiros, especialmente os considerados indispensáveis – como o gás natural, matérias primas, microchips, ou alimentos –  mostrou-se danosa aos países dependentes. 

Como observado ao longo de 2022, existe a possibilidade de interrupção da produção ou do fornecimento por parte dos países produtores devido a uma guerra ou a sanções econômicas, deixando os países importadores em uma situação caótica dependendo da importância do produto em falta. 

Dito isso, é nítido que o choque causado pela guerra vai muito além da Rússia e da Ucrânia, já que os riscos geopolíticos aumentaram globalmente. Sendo assim, com a junção das interrupções nas cadeias de abastecimento, do aumento de preços e da escassez, está acontecendo um processo conhecido como desglobalização.

Fonte: Pixabay

O que é Deglobalização, Desglobalização ou “Slowbalization”

A desglobalização consiste em um processo de diminuição da interdependência e integração entre Estados-nações e o termo é amplamente utilizado para descrever os períodos da história em que o comércio econômico e o investimento entre países declinam. 

O conceito é o oposto da mais conhecida globalização, na qual os países se tornam cada vez mais integradas e interdependentes ao longo do tempo. Na globalização, se discutem as dimensões econômicas, comerciais, sociais, tecnológicas, culturais e políticas, no entanto, grande parte do trabalho que foi conduzido no estudo da desglobalização se refere ao campo da economia internacional.

Os melhores exemplos da desglobalização mundial foi o período conhecido como “A Grande Depressão” após a quebra da bolsa de Nova York em 1929, e o período conhecido como “O Grande Colapso do Comércio”, consequência da crise financeira de 2008. 

As duas principais fases da desglobalização não são iguais. Na década de 1930, as democracias deixaram de apoiar o livre comércio levando a uma desglobalização, impulsionada pela criação de blocos comerciais autossuficientes por meio de tarifas rígidas sobre importações de fora de seu círculo, produzindo uma intensa regionalização do comércio.

Com o fim da Guerra Fria, houve uma busca por mais globalização. A criação do World Trade Organization em 1995 teve um papel fundamental ao incentivar as trocas comerciais internacionais aumentando a interdependência econômica entre países. Acreditava-se que uma maior interdependência econômica traria paz, pois se dois países dependessem entre si, eles teriam menos chances de entrar em um conflito armada um contra o outro.

Porém, ao longo da história pudemos observar que a interdependência econômica não tem sido um fator impeditivo da guerra, vide a Segunda Guerra Mundial e a invasão russa na Ucrânia.  

Assim como a globalização, a desglobalização econômica pode ser medida de diferentes maneiras que se concentram em torno dos seguintes principais fluxos econômicos:

  • Bens e serviços, medido através das exportações e importações;
  • Trabalho/pessoas, medido através da taxa líquida de migração, que consiste diferença entre o número de pessoas que entram e saem de um país durante o ano;
  • Capital, medido pelo investimento direto para dentro ou para fora do país usando a proporção da renda nacional ou por habitante;
  • Tarifas médias e restrições de fronteira ao trabalho;
  • Controles de capital, incluindo restrições ao investimento direto estrangeiro ou ao investimento direto externo.

Diferença entre Offshoring, Reshoring e Nearshoring das cadeias produtivas

A cadeia produtiva, de modo geral, funciona como se fosse uma corrente desde a extração e manuseio da matéria-prima até a transformação da matéria-prima em produto, e posteriormente, sua distribuição. 

As etapas da cadeia produtiva são integradas e realizadas por diversas unidades (ou países) que interagem ao longo de toda cadeia dos processos produtivos, com o objetivo de produzir os bens e serviços ao mercado.

A cadeia produtiva engloba tanto os bens de consumo – adquiridos pelo consumidor final – quanto os bens de produção (matéria-prima) e bens de capital (equipamentos e bens necessários para a produção de outros bens ou serviços). Todavia, cada empresa ou país escolhe como irá estruturar sua produção e as principais formas são: 

  • O Offshoring – é quando o produtor distribui algumas de suas funções vitais para o exterior para agilizar as operações e baixar custos. Normalmente, isso é feito em conjunto com um provedor de serviços terceirizado que opera em um país com um custo de vida significativamente menor. A diferença nos salários entre o país escolhido, geralmente localizado em outro continente, e seu próprio país permite que o produtor economize capital em uma de suas despesas gerais mais significativas, como os salários.
  • O Reshoring – é quando o produtor leva as partes da sua cadeia de produção que anteriormente eram offshore, de volta ao seu país natal, pois o offshore economiza capital, mas pode causar uma queda na qualidade do serviço e do produto. No entanto, essa forma produção pode se tornar mais cara devido à necessidade de admissão de trabalhadores permanentes e seus custos. 
  • O Nearshoring – é quando o produtor une os benefícios do offshoring e do reshoring de uma só vez, implantando sua cadeia de produção em um país próximo às suas fronteiras, amenizando as possíveis diferenças culturais, de distância e geopolíticas do offshoring e ainda assim economizando capital com a terceirização de funcionários, ao invés de contratar trabalhadores permanentes como no reshoring. 

Todos os modelos possuem aspectos positivos e negativos, mas é importante sublinhar que, apesar dos custos favoráveis, quando um país ou empresa decide realizar parte da sua produção no exterior, este estará assumindo os riscos da influência geopolítica em seu negócio. 

O que é Nacionalismo Econômico e maior Soberania Estratégica

O nacionalismo econômico é uma ideologia que favorece o intervencionismo estatal, ou seja, quando o Estado deve intervir na economia do país com políticas de controle doméstico da economia, trabalho e acúmulo de capital. 

Além disso, caso seja necessário o Estado poderá impor tarifas e outras restrições sobre o movimento de capital e bens, e até de trabalho. A principal crença do nacionalismo econômico é que a economia deve servir aos objetivos nacionalistas, ou seja, deve promover os interesses da nação, em busca da soberania do país

Já a soberania estratégica, que pode ser alcançada através do nacionalismo econômico e outras medidas, é definida como a capacidade de um estado de perseguir seus interesses nacionais e adotar a política externa de sua preferência sem depender de outros países.  

Tomando como exemplo o debate sobre a soberania estratégica europeia, torna-se importante distinguir os três termos específicos, que unidos levam um país (ou um bloco) ao nível e ambição da soberania estratégica: 

  • A capacidade de agir – que se refere às condições políticas e materiais para uma ação na política externa, no âmbito de segurança e defesa. 
  • A autonomia estratégica – que se refere à capacidade de definir suas próprias prioridades, tomar decisões e implementá-las, indo além da mera capacidade de agir. 
  • A soberania estratégica – que se refere à capacidade de exercer conjuntamente a soberania em todas as áreas de políticas estatais, ou seja,  o conceito político de soberania implica uma autoridade política comum. Este é o nível mais ambicioso na busca de soberania Estatal.  

Ademais, para além da segurança militar, a ambição de soberania estratégica também deve incluir todas as áreas políticas relevantes do Estado para sua própria proteção, de acordo com as condições geopolíticas.  Como a política comercial autônoma, a soberania financeira, a redução da dependência de importações e a soberania tecnológica. 

Tanto a Pandemia como a guerra na Ucrânia levaram a mais nacionalismo econômico, e a desglobalização é uma das consequências desse processo.

Como a Pandemia de Covid e a Guerra na Ucrânia levaram a uma maior a uma busca por maior resiliência nas cadeias produtivas. 

A pandemia da COVID-19 expôs as fraquezas do mercado global, especialmente em países onde as atividades econômicas foram substituídas por mercados financeiros, e nos países que lutaram para obter suprimentos suficientes para atender as necessidades básicas de sua população. 

Logo após o “fim” da pandemia, a guerra na Ucrânia aumentou repentinamente os riscos geopolíticos, destacando mais uma vez os riscos associados à natureza interconectada do comércio global.

Estes riscos são evidenciados porque a dependência de produtores estrangeiros de insumos pode levar à interrupção do fornecimento para os países dependentes, quando os países de origem ficam inviabilizados.

Portanto, à medida que os riscos geopolíticos se evidenciaram em vários países devido a guerra, os Estados iniciaram uma revisão da estrutura de suas cadeias de suprimentos, em busca de uma maior resiliência em suas cadeias de produção, para não mais ficarem a mercê de outros países.

Dessa forma, os governos que investirem em cadeias de produção no seu próprio território, como no reshoring, poderão eventualmente não mais depender exclusivamente de outros países e assim assegurarem as necessidades básicas do Estado e da população. 

Principais exemplos de Nacionalismo Econômico pelas grandes potências em busca Soberania Estratégica

Os maiores exemplos de busca por uma maior resiliência nas cadeias produtivas, por meio do nacionalismo econômico são os seguintes projetos: 

  • CHIPS Act dos Estados Unidos
  • Inflation Reduction Act dos Estados Unidos
  • EU CHIPS Act da União Europeia
  • Made in China 2025 de Pequim

A Lei CHIPS Act é um estatuto federal dos EUA, assinado pelo presidente Joe Biden em agosto de 2022. A lei fornece cerca de 280 bilhões de dólares em novos financiamentos para impulsionar a pesquisa doméstica e a fabricação de semicondutores nos Estados Unidos.

Esse projeto ganhou força durante os piores dias da pandemia do coronavírus, – quando a escassez global de semicondutores interrompeu a fabricação de automóveis, eletrônicos e até mesmo eletrodomésticos – com o objetivo de reduzir a exposição da cadeia de suprimentos a choques estrangeiros. 

A Inflation Reduction Act (Lei de Redução da Inflação), criada em 2022 também pelo governo norte-americano, investirá aproximadamente US$ 369 bilhões em programas de segurança energética e mudança climática até 2032.

A Lei EU CHIPS Act é a versão europeia do projeto, que reforçará a competitividade e a resiliência da Europa em tecnologias e aplicações de semicondutores e ajudará a alcançar a transição digital e verde, fortalecendo a tecnologia do continente. 

Com a Lei Europeia de Chips, a UE tem o objetivo de abordar a escassez de semicondutores e fortalecer a liderança tecnológica da Europa. 

A união mobilizará mais de 43 bilhões de euros em investimentos públicos e privados e definirá medidas para preparar, antecipar e responder rapidamente a quaisquer interrupções futuras da cadeia de suprimentos, em conjunto com os Estados-Membros e seus parceiros internacionais.

O projeto Made in China 2025, é um plano estratégico nacional e político onde a China pretende se afastar de ser a “fábrica do mundo”, como um produtor de bens baratos de baixa tecnologia facilitados por baixos custos trabalhistas e com vantagens na cadeia de suprimentos, para se tornar uma potência mais intensiva em tecnologia.

O país objetiva alcançar a independência de fornecedores estrangeiros, incentivando o aumento da produção de produtos e serviços de alta tecnologia, tendo como foco a sua indústria de semicondutores

As consequências geopolíticas de um retrocesso ou atenuação na Globalização

A desglobalização mundial ou a estagnação da globalização poderá fortalecer as grandes potências que têm a capacidade de produzir e desenvolver alta tecnologia domesticamente em relação ao resto do mundo, pois além de deterem altas tecnologias, também terão sua cadeia de produção, diminuindo a dependência externa de outros países fornecedores. 

Com a conclusão do projeto chinês “Made in China 2025”, o país será de fato considerado uma das maiores potências mundiais, equiparada aos Estados Unidos e equivalente à União Europeia. No entanto, se a China falhar na realização do projeto, ela poderá se enfraquecer política e economicamente.  

Em contrapartida, a maior autonomia das grandes potências detentoras das cadeias produtivas tecnológicas, poderá diminuir a transferência de tecnologia para países emergentes, como a Índia, Brasil, Turquia, México e Indonésia. Enfatizando ainda mais o nacionalismo econômico, o regionalismo e a estagnação da globalização.

Se esse processo se desenvolver como previsto acima, haverá um fortalecimento das grandes potencias mundiais e um enfraquecimento proporcional de países emergentes e menos desenvolvidos que não têm a capacidade de serem auto-suficientes.

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