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O Novo Programa Europeu de Investimento em Defesa: Preparando-se para Confrontos Geopolíticos no Século XXI

  • Com a guerra na Ucrânia e o possível novo mandato de Trump a União Europeia concluiu que uma resposta eficaz em defesa é necessária;
  • A escassez atual de recursos militares destaca a necessidade de fortalecimento militar na Europa;
  • A líder da executivo Europeu Ursula von der Leyen apresentou a primeira Estratégia Industrial de Defesa da União Europeia para preparar a Europa.

Numa era de crescente incerteza e desafios geopolíticos, a Europa se vê diante de uma encruzilhada crítica: a necessidade de reforçar sua capacidade de defesa diante de uma potencial agressão Russa. Com a sombra da guerra na Ucrânia e a possibilidade de uma nova presidência de Trump nos Estados Unidos, a pressão para uma resposta eficaz é inegável. 

A falta de munição e equipamentos entre os países europeus, escancarada pelo conflito ucraniano, exige um chamado urgente à ação. Sendo assim, a Comissão Europeia (braço executivo do bloco) apresentou a primeira Estratégia Industrial de Defesa da União Europeia, desenhando um caminho rumo à preparação militar necessária para enfrentar os desafios deste século.

Imagem criada por IA

Por que a Europa precisa aumentar sua capacidade de defesa?

A Europa tem enfrentado uma crescente pressão para melhorar sua capacidade de defesa, especialmente diante da guerra entre a Rússia e a Ucrânia e a possível vitória de Trump à presidência dos Estados Unidos novamente. 

A guerra na Ucrânia e a falta de munição e equipamentos entre os países europeus para mandar para Kiev, com a exceção da Polônia, destacaram a urgência de medidas para fortalecer a prontidão militar na região. A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, revelou em Março de 2024 a primeira Estratégia Industrial de Defesa da União Europeia (UE), em resposta a esses desafios.

Hoje, existem lacunas significativas na capacidade de defesa da Europa. Isso aconteceu devido a anos de baixo investimento em defesa com o fim da Guerra Fria. Esse período de relativamente paz, levou muito países a gastar menos do que os 2% do PIB determinados pela OTAN. Sendo assim, a região carece de suprimentos essenciais, como munição, peças de artilharia, blindados, e recursos de inteligência, vigilância e reconhecimento.

Economistas e planejadores de defesa têm defendido há muito tempo uma maior cooperação entre os governos europeus e as empresas de defesa para debater essas deficiências. 

Se os países europeus trabalharem juntos na área de defesa, eles podem economizar muito seus investimentos em equipamentos militares. Eles poderiam evitar produzir e comprar equipamentos militares iguais desnecessários, podendo produzir mais em conjunto e pagar menos.

No entanto, é difícil fazer isso acontecer pois cada país coloca seus próprios interesses em primeiro lugar, por vezes buscando proteger suas próprias indústrias ou porque nem sempre trabalham de forma eficiente juntos devido a falta de padronização entre as forças armadas dos países europeus.

No que se refere à produção e compra duplicada de equipamentos militares, pode-se usar como exemplo carros de combate ou “tanques” (Main Battle Tank) que tem 6 modelos diferentes produzidos na Europa; ou Veículo de combate de Infantaria (Infantry Fighting Vehicles) que tem 11 modelos diferentes produzidos no bloco; ou os Contratorpedeiro e Fragatas (Destroyers and Frigates) que tem incríveis 26 diferentes modelos produzidos no continente europeu.

Esta diversidade de modelos destaca a necessidade de uma maior integração militar na Europa, a fim de reduzir a competição interna por compradores e operadores, além de promover uma abordagem mais eficiente e coordenada na produção e no uso de armamentos.

Além da produção duplicada, é importante notar alguns exemplos que demonstraram a falta de integração militar na UE:

  • Durante a crise migratória de 2015, os esforços da União Europeia para coordenar operações navais no Mediterrâneo foram prejudicados pela falta de padronização entre as marinhas dos Estados membros, dificultando a eficiência das operações de busca e resgate.
  • O projeto do avião de transporte militar A400M, liderado pela Airbus, enfrentou atrasos e custos excessivos devido a disputas entre os países membros da OTAN sobre a divisão de custos financeiros extras e responsabilidades de desenvolvimento.
  • Apesar os países europeus estarem preocupados com ataques cibernéticos, a União Europeia não está trabalhando de forma unida para se proteger. Os países não querem compartilhar informações sensíveis e não entram em um acordo sobre como lidar com os possíveis ataques cibernéticos, dificultando a defesa contra essas ameaças.

Para isso, a União Europeia está buscando ampliar sua participação na política industrial de defesa, contribuindo para a prontidão da defesa europeia. Enquanto isso, a OTAN continua desempenhando um papel fundamental na defesa coletiva dos países europeus.

Porém, com a potencial eleição de Donald Trump nos EUA e seu desdém pela OTAN, os países Europeus podem acabar se vendo sozinhos para defender o continente em caso de agressão. Ou seja, os EUA de Trump podem não honrar artigo 5 do pacto de defesa mútua da OTAN.

O Artigo 5 do Tratado do Atlântico Norte, que é o documento fundador da aliança, estabelece o princípio da defesa coletiva, afirmando que um ataque armado contra um ou mais membros da OTAN é considerado um ataque contra todos os membros da organização. Isso significa que todos os membros devem considerar o ataque a um deles como um ataque contra si mesmos e responder em conformidade, incluindo o uso de força militar, se necessário.

Como irá funcionar o Programa de Investimento em Defesa?

A União Europeia está comprometida em investir bilhões de euros neste programa e este investimento será utilizado para financiar uma variedade de iniciativas, desde pesquisa e desenvolvimento de tecnologias avançadas até a produção de equipamentos militares inovadores.

A proposta é de 1,5 bilhão de euros do orçamento da UE para o período de 2025 a 2027, para incentivar a produção conjunta de armas e a colaboração entre fabricantes.

Além disso, a UE planeja simplificar a aquisição de equipamentos militares através do Programa Europeu de Armamento. Isso significa que os procedimentos de aquisição serão padronizados entre os Estados membros, facilitando a compra conjunta de equipamentos – da mesma forma que as vacinas contra a Covid-19 foram compradas – e garantindo isenções de impostos para essas compras.

Por exemplo, se vários países da UE decidirem comprar um mesmo tipo de equipamento, como tanques ou aviões de combate, eles poderão fazê-lo em conjunto, o que reduziria custos e aumentaria a eficiência. Além disso, a simplificação dos procedimentos de aquisição tornará o processo mais rápido e menos burocrático.

A UE também adotará medidas para facilitar as vendas de armas. Isso inclui a criação de um catálogo de armas disponíveis em todo o bloco e apoio financeiro para reduzir os atrasos na entrega de potenciais compradores. Essa medida pode reforçar a capacidade de exportação de defesa europeia e a competitividade global, semelhante ao que os Estados Unidos fazem.  

Por exemplo, se um país membro da UE desejar comprar armas de outro país membro, poderá fazê-lo de forma mais rápida e fácil, graças ao catálogo e ao apoio financeiro fornecido pela União. Isso ajudará a garantir que as forças armadas dos países membros tenham acesso facilitado aos equipamentos necessários para fortalecer suas capacidades de defesa.

Exemplos de planos de desenvolvimento e produção conjunta de sistema de armas já em andamento incluem:

Carro de Combate Franco-Alemão: Em março de 2024, o Ministro das Forças Armadas, Sébastien Lecornu, e seu homólogo alemão, Boris Pistorius, revelaram um acordo sobre a distribuição das tarefas industriais do futuro tanque Main Ground Combat System (MGCS). O projeto é dividido em vários pilares tecnológicos e o acordo determina que as empresas francesas e alemãs terão uma carga industrial igual em cada um dos pilares.

Isso já ocorreu no passado com o Eurofighter Typhoon, que começou com o programa Future European Fighter Aircraft, uma colaboração multinacional entre o Reino Unido, Alemanha, França, Itália e Espanha para a produção do jato de combate.

Além disso, apesar de não definir referências claras para a assistência militar da UE à Ucrânia, o bloco também pretende envolver Kiev, em compras conjuntas, tratando o país como se já fosse um membro pleno da união. Isso porque a Ucrânia tem uma longa história de produção de armamentos de alta tecnologia, sendo uma das ex-repúblicas Soviéticas mais importantes no desenvolvimento e produção de armamentos de alta tecnologia no período Soviético.

Por isso, a fim de estreitar os laços com a Ucrânia, o bloco decidiu também por iniciar negociações de adesão com Kiev iniciadas em dezembro de 2023.

Em geral, a estratégia em si visa prioritariamente os países membros da União Europeia, com o objetivo de fortalecer a capacidade do bloco de resistir aos ataques russos. 

Como a nova estratégia afeta as relações com parceiros da OTAN?

A nova estratégia de investimento pode ter um impacto significativo nas relações com os parceiros da OTAN, como os Estados Unidos e o Reino Unido. No entanto, a estratégia tenta destacar que elas podem trabalhar juntas, em vez de competir.

Alguns exemplos de como a nova estratégia pode afetar as relações com parceiros da OTAN, são:

  • Impacto nas Indústrias de Defesa dos EUA e do Reino Unido: A nova estratégia pode levar à preferência por fornecedores europeus dentro do bloco na aquisição de equipamentos militares pela UE. Isso pode reduzir as oportunidades de negócios para empresas de defesa dos EUA e do Reino Unido, afetando suas relações comerciais e econômicas com a Europa.
  • Duplicação de Esforços: Se a UE e a OTAN não coordenarem suas estratégias de investimento em defesa, pode haver duplicação de esforços na produção de equipamentos militares. Isso pode levar a uma competição desnecessária entre os parceiros da OTAN e causar tensões nas relações.
  • Preferência por Fornecedores Europeus: A nova estratégia pode inclinar a balança em favor das indústrias de defesa europeias na UE. Isso pode levar os parceiros da OTAN a se sentirem excluídos ou prejudicados, especialmente se forem empresas que tradicionalmente forneceram equipamentos militares para a Europa.
  • Cooperação e Integração: Por outro lado, a nova estratégia também pode criar oportunidades para uma maior cooperação e integração entre a UE e a OTAN. Trabalhando juntas, elas podem fortalecer sua capacidade de defesa coletiva e alinhar melhor suas políticas de segurança.

Porque o aumento da defesa europeia é geopoliticamente importante?

O aumento da defesa europeia é geopoliticamente importante no curto, médio e longo prazo e no nível regional e global.

  • Curto prazo e regional:
    • A Europa enfrenta desafios imediatos de segurança, incluindo a crescente agressão russa e a rápida expansão militar da China.
    • O aumento da capacidade de defesa é fundamental para proteger a região de possíveis ameaças externas, como intervenções armadas russas na Europa Oriental.
  • Regional:
    • Além da ameaça russa em sua vizinhança, Moscou tem se envolvido em intervenções armadas em outras regiões do mundo, como Mali, na África, onde apoia governos locais ou grupos aliados em conflitos.
  • Médio à longo prazo e global:
    • É essencial fortalecer a defesa europeia para garantir a capacidade de projetar força e proteger regiões críticas, como Taiwan, em caso de uma possível invasão chinesa.
    • A maior integração da defesa europeia também ajuda a dissuadir possíveis agressores e fortalece a posição da Europa como um ator geopolítico importante no cenário internacional.

A adesão da Finlândia e da Suécia à OTAN também fortaleceu a posição de defesa dos países bálticos e destacou a importância da cooperação na segurança europeia. A guerra na Ucrânia demonstrou que a resistência à Rússia é possível, porém, a dissuasão através de maior investimento em defesa é um objetivo muito mais vantajoso em todos os termos do que ter que se defender de uma invasão total como no caso Ucraniano.

Além disso, o aumento da defesa europeia é geopoliticamente importante porque fortalece a autonomia estratégica da Europa. Tradicionalmente, a Europa tem sido dependente dos Estados Unidos para sua segurança, especialmente por meio da OTAN. 

No entanto, recentes mudanças políticas nos EUA e incertezas vindas de Trump sobre seu compromisso com a segurança europeia destacaram a necessidade de a Europa assumir maior responsabilidade por sua própria defesa.

Investir em defesa significa que a Europa pode agir de forma mais independente e assertiva em questões de segurança, sem depender exclusivamente dos recursos militares dos EUA. Isso não apenas aumenta a resiliência da Europa diante de potenciais ameaças, mas também fortalece sua posição como um ator global capaz de defender seus interesses e valores.

Além disso, o aumento da defesa europeia pode promover uma maior coesão entre os países membros da UE, fortalecendo assim a integração europeia e ao mesmo tempo economizando recursos através de maior cooperação e ganhos de escala. Ao trabalhar juntos para fortalecer suas capacidades de defesa, os países europeus podem construir uma base sólida para uma política externa e de segurança comum, o que é fundamental para enfrentar desafios globais e proteger os interesses europeus.

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