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Como a Reaproximação Entre o Japão e a Coreia do Sul pode Mudar a Dinâmica Geopolítica dos EUA e da China na Região do Indo-Pacífico

  • Com um histórico conturbado e repleto de ressentimento, o Japão e a Coreia do Sul buscam normalizar suas relações;
  • A China e a Coreia do Norte são considerados fatores importantes para que a reaproximação entre Seul e Tóquio aconteça;
  • A reconciliação poderá impactar significativamente o poder chinês na região e colaborar com a estratégia dos Estados Unidos.

‌A recente reaproximação entre o Japão e a Coreia do Sul tem o potencial de desempenhar um papel significativo na dinâmica geopolítica da região do Indo-Pacífico, afetando tanto os interesses dos Estados Unidos quanto da China. 

À medida em que Tóquio e Seul buscam superar suas diferenças históricas e fortalecer seus laços, diversas mudanças na balança de poder e nas alianças na região podem surgir, tendo implicações tanto para a estratégia dos Estados Unidos como para a forte influência de Pequim na Ásia Oriental.

O histórica das relações conturbadas entre o Japão e a Coreia do Sul

As tensões entre Tóquio e Seul têm raízes profundas, como o período de ocupação e colonização japonesa da Coreia de 1910 a 1945, que deixou cicatrizes duradouras nas relações entre os dois países.

Durante a ocupação japonesa, a Coreia foi submetida a uma série de políticas extremamente repressivas e tentativas de assimilação cultural por parte do Japão. 

A população coreana sofreu com a perda de sua independência, a exploração econômica, a restrição de direitos e a violação dos direitos humanos. Muitos coreanos foram forçados a trabalhar em condições desumanas e de escravidão e muitas mulheres coreanas foram submetidas à escravidão sexual pelo exército imperial japonês.

As tensões aumentaram ainda mais com a Segunda Guerra Mundial, o Japão anexou a Coreia e impôs seu domínio sobre a península. Após a rendição japonesa em 1945, a Coreia foi libertada e dividida em dois países: a Coreia do Norte, apoiada pela União Soviética, e a Coreia do Sul, apoiada pelos Estados Unidos.

Ao longo das décadas seguintes, o Japão experimentou um rápido crescimento econômico e se tornou uma das maiores potências econômicas do mundo, enquanto a Coreia do Sul também teve um progresso significativo. 

No entanto, as tensões históricas continuaram a afetar as relações entre os dois países. Muitos coreanos têm ressentimentos das atrocidades cometidas durante a ocupação japonesa e exigem desculpas e compensações adequadas do Japão, apesar de sua inicial negação em reconhecer e assumir a responsabilidade pelos fatos.

Mas esse processo de reaproximação está acontecendo. O Japão emitiu desculpas oficiais e estabeleceu fundos de compensação. Porém, essas medidas são consideradas insuficientes por muitos sul-coreanos. Além disso, a disputa territorial sobre as Ilhas Dokdo (chamadas Takeshima no Japão) também tem contribuído para as tensões bilaterais.

Essas tensões têm se manifestado em vários aspectos, incluindo política, economia, cultura e esporte. Porém, o relacionamento entre os dois países tem se recuperado.

Recentemente, os líderes da Coreia do Sul e do Japão se reuniram em uma cúpula, marcando um passo significativo para melhorar as relações bilaterais. Durante os encontros, eles buscaram um diálogo aberto e franco para abordar questões pendentes e divergências entre os dois países, demonstrando uma disposição mútua para superar diferenças e encontrar soluções.

Além disso, expressaram o desejo de retomar as negociações em áreas como comércio, segurança e questões históricas, destacando um compromisso em trabalhar em direção a uma maior cooperação e resolução de problemas.  

A tendência é de uma completa normalização entre o Japão e a Coreia do Sul, assim com os históricos arquirrivais França e Alemanha que hoje são as duas grandes potências da União Europeia.

O fator China e Coreia do Norte na nova reaproximação entre a Coreia do Sul e o Japão

Devido a sua atual importância no cenário internacional, a China e sua relação com a Coreia do Norte desempenham um papel importante na nova reaproximação entre Seul e Tóquio. Visto que ambos compartilham fronteiras marítimas com Pequim e têm uma relação complexa com Pyongyang.

No que tange às relações com a China, tanto a Coreia do Sul quanto o Japão têm fortes laços comerciais e econômicos com o país. 

No entanto, a crescente influência chinesa na região também pode criar um incentivo para a Coreia do Sul e o Japão se aproximarem, em busca de um equilíbrio de poder na Ásia Oriental, especialmente em questões como segurança marítima e disputas territoriais.

No que tange as disputas territoriais entre a Coreia do Sul e a China, o principal foco é a soberania sobre o Mar Amarelo (também conhecido como Mar Ocidental). A China reivindica uma grande área do mar, incluindo ilhas e recifes que são historicamente controlados pela Coreia do Sul.

Por sua vez, as disputas territoriais entre o Japão e a China estão principalmente relacionadas às ilhas Senkaku (chamadas de Diaoyu pela China). Essas ilhas desabitadas, localizadas no Mar da China Oriental, são objeto de reivindicações de ambos os países. A China considera as ilhas parte de seu território histórico, enquanto o Japão as administra e as considera parte de seu território soberano.

Outro ponto de tensão entre o Japão e a China foi o boicote aos minerais de terras raras. As terras raras são um grupo de minerais essenciais para a produção de uma ampla gama de produtos de alta tecnologia, incluindo eletrônicos, veículos elétricos e equipamentos de energia renovável.

A China é a principal produtora e exportadora desses minerais, detendo um alto grau de controle sobre o mercado global. Em 2010, durante uma disputa territorial entre China e Japão em torno das ilhas Senkaku/Diaoyu, a China restringiu as exportações de terras raras para o Japão, criando um “boicote” não oficial desses minerais. Isso teve um impacto significativo na indústria japonesa, que dependia fortemente desses materiais.

Por outro lado, a Coréia do Sul sofreu um boicote por parte dos chineses em sua industria automobilística. Em 2017, após a implantação do sistema de defesa antimísseis THAAD (Terminal High Altitude Area Defense) pelos Estados Unidos na Coreia do Sul, a China retaliou adotando medidas restritivas e encorajando um boicote aos produtos sul-coreanos, incluindo os veículos fabricados pelas montadoras sul-coreanas.

Essa ação teve um impacto negativo nas vendas e exportações de veículos sul-coreanos para o mercado chinês, que era um dos maiores mercados consumidores para as montadoras sul-coreanas.

No que diz respeito à Coreia do Norte, tanto Seul quanto Tóquio têm uma relação conflituosa e hostil para com o país. Yoon Suk Yeol, presidente Sul Coreano, busca uma desnuclearização pacífica da península coreana e melhoria das relações com Kim Jong Un, líder Norte Coreano, enquanto o premier Japonês Hiroyuki Hosoda está preocupado com a ameaça representada pelos programas nucleares e de mísseis de Pyongyang. 

Por essa razão, a Coreia do Norte se mostra um fator relevante para que a coordenação entre a Coreia do Sul e o Japão aconteça. Dessa forma, poderão ser abordadas questões relacionadas à segurança regional e à desnuclearização da Península, em busca de estabilidade e equilíbrio. 

Como uma reaproximação de duas das maiores potências industriais na Ásia pode ser benéfico para os Estados Unidos em sua “Estratégia de um Indo-Pacífico Livre e Aberto”

O benefício mais relevante para os Estados Unidos, devido a essa aproximação seria o fortalecimento da presença militar estadunidense na região que foca tanto na contenção da China como da Coreia do Norte. 

Tanto Seul quanto Tóquio têm uma parceria de defesa estreita com Washington e hospedam bases militares norte-americanas em seus territórios. Ao melhorar suas relações bilaterais, eles podem facilitar uma maior coordenação e interoperabilidade com as forças dos EUA, aumentando assim a capacidade coletiva de defesa na região.

Além disso, a reaproximação entre o Japão e a Coreia do Sul pode promover uma maior estabilidade e segurança na região do Indo-Pacífico. As tensões históricas entre esses dois países têm sido uma fonte de preocupação para os Estados Unidos, pois podem minar a cooperação regional e criar instabilidade. 

Então, a reconciliação e uma maior confiança entre Japão e Coreia do Sul poderiam ajudar a mitigar essas tensões, criando um ambiente mais propício para a implementação da estratégia dos Estados Unidos, que busca promover um Indo-Pacífico pacífico e estável, além de conter o poder chinês na região.

Portanto, além do Japão e Coreia do Sul terem suas próprias preocupações em relação à influência chinesa, esses países também compartilham interesses estratégicos comuns com os Estados Unidos de possível contenção da China e de uma apoio a Taiwan em caso de invasão.

Em consequência, esta cooperação trilateral poderia fortalecer a capacidade de tais países responderem aos desafios regionais, promovendo um ambiente mais livre e aberto no Indo-Pacífico, contrabalanceando o poder da China. 

A importância histórica e geopolítica da potencial normalização de relações entre o Japão e a República da Coreia (Sul)

A normalização das relações entre o Japão e a República da Coreia tem importância histórica e geopolítica significativa para a região e para a estabilidade no leste asiático.

Em primeiro lugar, permitiria a reconciliação histórica e o fechamento das feridas causadas pelo período de ocupação japonesa na Coreia. Isso poderia ajudar a curar as cicatrizes do passado e promover uma compreensão mútua mais profunda entre os povos japonês e coreano.

Além disso, a reaproximação traria um senso de justiça para as vítimas e suas famílias, especialmente no que diz respeito às mulheres de conforto e aos outros crimes cometidos durante a Segunda Guerra Mundial.

Do ponto de vista geopolítico, a normalização das relações entre Seul e Tóquio fortalecerá a estabilidade e a cooperação na região, visto que  ambos são importantes atores políticos e econômicos na Ásia Oriental, e sua cooperação poderia impulsionar o desenvolvimento regional, o avanço tecnológico e, também, a resolução de questões militares.

Como consequência, a China será afetada negativamente, enquanto os Estados Unidos poderão tirar proveito da nova conjuntura, fortalecendo a implementação de suas estratégias na região. 

Por fim, é essencial que esses avanços sejam alcançados com base na honestidade, na compreensão mútua e no respeito pelos eventos do passado, a fim de garantir uma parceria duradoura e benéfica para todos os envolvidos.

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