- O realinhamento geopolítico da Türkiye busca por uma maior aproximação com o Ocidente;
- O país passou por mudanças significativas em relação à Rússia e UE, incluindo o apoio à entrada da Suécia na OTAN;
- A mudança na política externa turca pode impactar a geopolítica regional e seu futuro frente à União Europeia e os Estados Unidos.
A nova postura geopolítica da Türkiye tem atraído a atenção do cenário internacional. A crescente reconciliação com o Ocidente, representada por recentes políticas externas, sinaliza uma possível mudança significativa nas relações do país, sobretudo com a União Europeia e os Estados Unidos.
O presidente turco, Recep Tayyip Erdoğan, tem buscado equilibrar interesses e fortalecer sua posição global. O requerimento de integração à União Europeia, sugere sua retomada na busca pela integração ao bloco, podendo envolver reformas econômicas e maior flexibilidade política.
Histórico de equilíbrio geopolítico da Türkiye
Com um passado marcado por transformações políticas e alianças internacionais, a Türkiye desempenhou um papel significativo no equilíbrio de poder global, especialmente em relação à sua participação na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e, mais recentemente, às suas relações com a Ucrânia.
Sua participação na OTAN remonta a 1952, quando o país se tornou um dos membros da aliança, apenas três anos após sua fundação. Essa aliança militar, criada após a Segunda Guerra Mundial, tinha como objetivo principal promover a cooperação e defesa mútua entre os países democráticos da Europa e América do Norte.
A inclusão da Ancara na OTAN reforçou a posição estratégica da aliança na região do Mediterrâneo Oriental e do Oriente Médio.
Ao longo das décadas seguintes, a Türkiye desempenhou um papel vital na aliança, contribuindo com sua localização geográfica, forças armadas bem treinadas e infraestrutura militar. Além disso, a presença do país permitiu à OTAN estender sua influência na área do Mar Negro, uma região com grande importância estratégica e lar da frota Soviética do Mar Negro.
No entanto, a participação da Türkiye na aliança nem sempre foi livre de desafios. Ao longo dos anos, divergências políticas e questões internas levaram a tensões entre a Ancara e outros membros da aliança.
É possível observar que nos cinco anos anteriores à guerra na Ucrânia, as relações entre Ancara e Kiev se fortaleceram, com a Türkiye vendo a parceria com a Ucrânia como uma oportunidade para alcançar os objetivos do presidente turco Erdoğan de transformar o país em uma potência regional influente.
Para a Ucrânia, a Türkiye tornou-se um dos poucos parceiros dispostos a cooperar seriamente na indústria de defesa, algo de extrema importância para Kiev desde 2014.
Apesar do fortalecimento dessa parceria, ambos não consideravam o outro como um aliado estratégico de longo prazo. O relacionamento entre eles se concentrandou em questões específicas, como a fabricação de drones de combate, infraestrutura de transporte, comércio de grãos e questões de segurança no Mar Negro.
Já a Rússia, sempre foi vista pela Türkiye como um aliado de maior valor econômico e de segurança em comparação com a Ucrânia.
Em busca de seus interesses nacionais, a Ancara estava disposta a ignorar a opinião de Kiev e de seus aliados ocidentais.
Isso ficou evidente quando a Türkiye se envolveu no projeto de gasoduto TurkStream da Rússia, contornando o território ucraniano na entrega de gás russo à Europa. Além disso, Erdoğan adquiriu sistemas de mísseis S-400 de Moscou, apesar das críticas dos Estados Unidos e da OTAN.
Devido a esse relacionamento, a Türkiye manteve-se como o mais amigável dentre os países da OTAN em relação à Rússia desde o início da invasão russa da Ucrânia.
Ao contrário de outros países ocidentais, Ancara não impôs sanções nem cancelou voos entre os dois países, mantendo uma estreita cooperação com Moscou em diversas questões. Essa posição adotada pela Türkiye, no entanto, levantou questões na Ucrânia, que anteriormente considerava Ancara como um parceiro importante.
A recente mudança de postura da Türkiye
Em maio de 2023, Ancara realizou eleições presidenciais e parlamentares, onde o atual presidente, Erdoğan, conseguiu se reeleger, surpreendendo a todos com suas recentes medidas na política externa.
Em julho, Erdoğan apresentou mudanças significativas em relação a duas questões fundamentais: a adesão da Suécia à OTAN e a busca por reaproximação com o Ocidente, após anos de pouca atenção às negociações de adesão à União Europeia (UE).
Erdoğan afirmou que consideraria apoiar o pedido da Suécia para ingressar na OTAN em troca de progresso na entrada da Türkiye na UE.
Essa abordagem foi rapidamente vista como uma manobra política para obter concessões do Ocidente, como os caças estadunidenses F-16 e modernização da União Aduaneira UE-Türkiye e liberalização de vistos, já que Ancara condenou repetidamente o aumento dos pedidos de visto Schengen rejeitados por cidadãos turcos, exigindo viagens sem visto para os nacionais na Europa.
No entanto, essa mudança de postura pode refletir o desejo de Erdoğan de mobilizar o eleitorado turco, capitalizando os anseios de reconhecimento europeu e encorajando um possível retorno estratégico à parceria com o Ocidente.
O interesse da Türkiye em se juntar à UE foi interrompido em 2016 devido à forte repressão interna após um golpe fracassado, dando aos líderes europeus uma razão para, efetivamente, parar as negociações.
Em 15 de julho de 2016, a Turquia enfrentou uma tentativa de golpe militar para derrubar o governo do Presidente Recep Tayyip Erdoğan. A tentativa foi uma afronta direta ao governo eleito democraticamente e causou pânico e incerteza em todo o país.
O governo turco, liderado por Erdoğan, rapidamente respondeu ao golpe com uma repressão intensa, que resultou em uma purga em larga escala de supostos seguidores do movimento de Fethullah Gülen, um clérigo exilado nos EUA que foi acusado de ser o mentor intelectual do golpe.
Após o 15 de Julho, o governo turco iniciou uma série de medidas para consolidar ainda mais seu poder. Erdoğan aproveitou a situação para implementar uma série de reformas autoritárias, minando a independência do judiciário, restringindo a liberdade de imprensa e silenciando vozes dissidentes.
Essas mudanças foram percebidas com preocupação por muitos países da UE, que viram o afastamento da Turquia dos valores democráticos fundamentais que são requisitos para a adesão ao bloco.
Além disso, organizações não governamentais, ativistas e jornalistas enfrentaram restrições significativas, o que gerou inquietação entre os países da UE em relação à deterioração das liberdades civis e dos direitos humanos no país.
Como resultado, o processo de adesão da Turquia à UE foi paralisado, com poucos avanços significativos desde então.
Golpe de Estado fracassado na Rússia como catalisador da mudança de atitude da Türkiye
Os eventos recentes, como a tentativa de golpe na Rússia em Junho de 2023 e a crise na Ucrânia, têm sido momentos cruciais para a política externa da Türkiye, colocando o país em uma delicada posição em relação à OTAN e ao Kremlin.
O presidente turco enfrenta o desafio de equilibrar seus interesses geopolíticos, buscando maximizar as vantagens em suas relações com ambas as partes.
Essa postura pragmática da Türkiye a coloca em uma posição estratégica única dentro da aliança militar, tornando-a a única nação da OTAN cujas ações são monitoradas de perto pelo Kremlin e cujas palavras são ouvidas por Putin.
A abordagem de Erdoğan em relação a Putin é evidente, buscando preservar os interesses nacionais turcos enquanto mantém uma relação próxima com Moscou.
Nos últimos meses, a Türkiye tem mostrado uma postura mais abertamente “pró-Ucrânia”, o que pode ser interpretado como um reflexo da percepção de uma “reputação militar diminuída” da Rússia, especialmente após a tentativa de golpe liderada por Yevgeny Prigozhin, líder do grupo mercenário Wagner.
No entanto, mesmo com essas mudanças em sua política externa, é improvável que as relações com a Rússia sofram mudanças abruptas.
A Türkiye continuará a desempenhar um papel crucial na resolução de conflitos e acordos de paz na região, devido à sua proximidade, poder e relações com Kiev e Moscou.
Ancara provavelmente continuará buscando “lutar com os vencedores”, mantendo sua posição de relevância para ambas e procurando garantir os melhores resultados para seus interesses nacionais.
7 Recentes políticas externas que mostram uma crescente reconciliação com o Ocidente
Impulsionada pelo declínio do valor da Rússia como aliado e por tensões persistentes nas relações turco-chinesas, têm levado o país a considerar um retorno estratégico ao Ocidente, buscando maximizar seus interesses geopolíticos em um contexto global volátil.
Algumas dessas políticas são:
- O retorno dos membros do batalhão Azov para a Ucrânia;
- A busca pela normalização das relações com a Grécia;
- A mudança da política monetária do país;
- A autorização da entrada da Suécia na OTAN;
- A anterior permissão para a entrada da Finlândia na OTAN;
- A mediação da Türkiye no Acordo de Grãos;
- O requerimento de integração da Türkiye na UE.
Uma das demonstrações mais notáveis dessa mudança foi a decisão de Erdoğan, de retornar membros capturados do controversao Batalhão Azov para a Ucrânia, rompendo uma promessa anterior feita a Putin. Essa ação significativa sinalizou uma nova postura em relação a Moscou, deixando clara a disposição da Türkiye de fortalecer laços com outros atores internacionais.
Além disso, Erdoğan tem mostrado abertura para relações mais amigáveis com a Grécia, e atendeu a pressões econômicas do Ocidente, revertendo anos de uma política monetária desastrosa. Esses gestos têm sido bem recebidos pelos países ocidentais, criando oportunidades para uma reaproximação.
Um dos pontos-chave nesse realinhamento é o apoio dado pela Türkiye à candidatura da Suécia para ingressar na OTAN. Essa postura indica uma possível recalibração das tensas relações com o Ocidente, buscando equilibrar sua posição entre o bloco ocidental e a Rússia. Erdoğan também enxerga essa abertura como uma oportunidade para fortalecer sua posição na política internacional.
Outro fator relevante foi a permissão concedida pela Türkiye para a entrada da Finlândia na OTAN, o que representou um momento marcante na política externa turca. Após um período de veto exercido por Ancara, a mudança mostra um esforço para fortalecer sua posição dentro da aliança militar e demonstra uma revisão em suas políticas em relação ao Ocidente.
A Türkiye também desempenhou um papel fundamental na negociação do Acordo de Grãos entre a Ucrânia e a Rússia, que expirou em junho de 2023. Essa questão é de grande importância geopolítica, pois envolve interesses comerciais e políticos cruciais para as duas partes.
A Rússia busca usar o acordo como uma ferramenta de pressão política, enquanto a Ucrânia busca diversificar seus parceiros comerciais e diminuir sua dependência da Rússia.
Erdoğan aguarda a visita de Putin em Agosto, onde discutirão a renovação do acordo de grãos, entre outras questões. O líder turco possui uma posição vantajosa para persuadir a Rússia a retomar a implementação do acordo, algo que os líderes de outros países ainda não conseguiram alcançar.
A retomada da integração da Türkiye à União Europeia também representa um marco importante na política externa turca. Apesar de haver dúvidas quanto às intenções por trás desse requerimento, ele reflete uma estratégia diplomática de busca por concessões e uma posição mais fortalecida no cenário internacional.
A importância geopolítica da nova reaproximação Turca com o Ocidente
A recente mudança na postura da Türkiye em direção ao Ocidente sinaliza uma possível mudança significativa na política externa do país.
Esse realinhamento tem o potencial de ter consequências significativas, especialmente para a política externa dos Estados Unidos e as relações turco-europeias.
Para Washington, uma Türkiye menos antagônica poderia fortalecer o “Mecanismo Estratégico” EUA-Türkiye, uma lista de prioridades bilaterais que inclui cooperação na OTAN, operações coordenadas antiterrorismo e estabilidade no Egeu e nas rotas de navegação do Mar Negro, especialmente em relação aos embarques globais de grãos ameaçados pela guerra na Ucrânia.
Já para a Europa, um realinhamento da Türkiye poderia significar uma maior cooperação no Green Deal Europeu e na gestão dos fluxos de refugiados.
Essa cooperação também poderia acelerar a capacidade da Türkiye de se tornar um “centro de energia” europeu, além de possibilitar que a Europa se beneficie dos setores manufatureiro e agrícola da Türkiye por meio de acordos aduaneiros revisados.
Internamente, o renovado interesse da Türkiye em aderir à União Europeia pode indicar a vontade de Erdoğan de buscar o centro político novamente. Isso poderia estar associado ao possível apoio a novas reformas econômicas e anticorrupção no país, assim como uma possível flexibilização da repressão política de Erdoğan.
Tais mudanças estratégicas, de uma política de medo para uma de aspiração, têm sido eficazes em garantir o consentimento do público e desorientar a oposição tanto na Türkiye quanto em outros lugares.
Embora os próximos cinco anos ainda gerem receios para muitos turcos, a mera possibilidade de uma mudança de direção é um alento. No entanto, Erdoğan é um camaleão político com um instinto de autopreservação e ainda pode nos surpreender.
Os recentes gestos de abertura e realinhamento indicam uma possibilidade concreta de reconciliação com o bloco ocidental, ao mesmo tempo em que preserva suas posições estratégicas no cenário global.
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