Press "Enter" to skip to content

O Que é Geoeconomia e seu Crescente Uso pelas Grandes Nações para Alcançar Seus Objetivos Geopolíticos

  • Eventos geopolíticos cruciais, como o Acordo de Bretton Woods e a Guerra Fria, moldaram a interação entre fatores econômicos, políticos e geográficos;
  • O conflito entre geoeconomia e neoliberalismo cria tensões quando estratégias neoliberais de abertura de mercados globais entram em conflito com preocupações de segurança e autonomia; 
  • A geoeconomia tem sido usada por grandes nações, como a China, Índia, EUA e na União Europeia, para alcançar objetivos políticos e econômicos.

Com o aumento da interconectividade global e a crescente complexidade das relações internacionais, a geoeconomia emergiu como um campo de estudo fundamental para compreender as interações entre fatores econômicos, políticos e geográficos em um mundo cada vez mais interligado.

Desde o pós-Segunda Guerra Mundial até os desafios do século XXI, podemos examinar como a geoeconomia tem moldado as políticas econômicas e as disputas globais através de ferramentas e estratégias que tornaram a economia um campo de batalha geopolítica, onde subsídios, barreiras tarifárias e políticas industriais se tornaram armas nas mãos dos Estados na busca pelo poder e influência no cenário global.

Fonte: Pixabay

O que é a Geoeconomia e qual é seu histórico

A geoeconomia é definida como o estudo das relações econômicas internacionais e como elas são moldadas por fatores geográficos e políticos. 

Ela se concentra na interação entre questões econômicas e geopolíticas em nível global, buscando compreender como os fatores econômicos influenciam e são influenciados por aspectos políticos, estratégicos e geográficos.

A geoeconomia aborda uma ampla gama de tópicos, incluindo comércio internacional, investimentos estrangeiros, recursos naturais, políticas econômicas, desenvolvimento econômico e competitividade global. 

Além disso, também explora como os Estados, organizações internacionais e atores econômicos buscam promover seus interesses econômicos no competitivo cenário internacional.

A história da geoeconomia se desdobrou ao longo das décadas, moldada por importantes eventos geopolíticos e mudanças econômicas de grande magnitude.

Após o término da Segunda Guerra Mundial, o mundo testemunhou a criação do Acordo de Bretton Woods em 1944, um marco que estabeleceu um novo sistema monetário internacional e instituições financeiras globais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial. 

Estas instituições desempenharam um papel crucial nas relações econômicas internacionais e na estabilização da economia global no pós-guerra.

No período da Guerra Fria, as tensões geopolíticas entre os Estados Unidos e a União Soviética remoldaram a geoeconomia, com o comércio e a ajuda econômica sendo usados como instrumentos de influência política e para conquistar aliados em todo o mundo.

À medida que as décadas de 1970 e 1980 avançaram, a globalização da economia se tornou um fenômeno. O colapso do comunismo na Europa Oriental e a ascensão do neoliberalismo econômico impulsionaram um aumento significativo no comércio global e na interdependência econômica entre as nações.

Os anos 1990 e 2000 testemunharam a emergência de novos desafios geoeconômicos, incluindo a ascensão meteórica da China como uma potência econômica global, a expansão do comércio internacional sob os cuidados da Organização Mundial do Comércio (OMC) e debates acalorados sobre o papel das instituições financeiras internacionais.

Nas sequelas da crise financeira global de 2008, a geoeconomia experimentou uma inflexão significativa, com uma revisão de políticas econômicas e um ressurgimento do nacionalismo econômico e protecionismo em algumas regiões.

À medida que o século XXI avança, a geoeconomia assume um papel central nas estratégias de poder das nações. Isso se traduz no uso de sanções econômicas, na competição acirrada por recursos naturais e tecnológicos, bem como em questões geoeconômicas emergentes, como a cibersegurança e a economia digital, tudo com o objetivo final – ou segunda a narrativa oficial – de fortalecer a segurança nacional.

Atualmente, a geoeconomia continua a evoluir em resposta às complexidades crescentes das relações internacionais e da economia global com o acirramento crescente da rivalidade entre a China e os EUA. 

O conflito entre a Geoeconomia e o Neoliberalismo

O neoliberalismo, como uma ideologia econômica dominante nas últimas décadas, prega a minimização da intervenção estatal na economia e a promoção da livre concorrência e do livre mercado. A corrente econômica enfatiza a desregulamentação, privatização e a abertura dos mercados internacionais ao comércio e aos investimentos. 

Em teoria, o neoliberalismo busca a eficiência econômica e o crescimento através do livre fluxo de capitais e da competição não restringida. No neoliberalismo, a economia é primordial e está acima do Estado. O crescimento econômico é o fim, o resto são meios para se atingir esse objetivo.

Por outro lado, a geoeconomia se concentra nas interações complexas entre fatores econômicos, políticos e geográficos em nível internacional. Ela considera as implicações políticas das decisões econômicas e vice-versa. Na geoeconomia, a segurança nacional do Estado é primordial e está acima da economia. A segurança nacional é o fim, e a economia é um dos meios para se atingir tal objetivo.

Isso significa que, enquanto o neoliberalismo se concentra principalmente na economia em si, a geoeconomia examina como as decisões econômicas afetam o poder e a influência geopolítica das nações.

O conflito entre as duas ideologias emerge quando as estratégias neoliberais de abertura de mercados globais colidem com as considerações geoeconômicas e de segurança nacional. 

Por exemplo, a dependência excessiva de um país em relação a fornecedores estrangeiros para bens essenciais, como tecnologia ou recursos naturais, pode criar vulnerabilidades geoeconômicas. 

A geoeconomia destaca preocupações com a dependência excessiva de um país em relação a outros, o que pode comprometer sua autonomia e segurança econômica.

Em um mundo cada vez mais competitivo, observa-se que os países estão começando a reavaliar a aplicação estrita do neoliberalismo em favor de políticas mais geoeconômicas, como a busca por auto-suficiência em setores críticos e a proteção de indústrias estratégicas. 

Isso tem se tornado evidente em medidas como: tarifas comerciais, restrições de exportação e controles de investimento estrangeiro.

Além disso, a geoeconomia usada por Estados também tenta reverter possíveis efeitos negativos que acordos de livre comércio típicos do neoliberalismo eventualmente causam na classe média dos país. Isso porque a desindustrialização e transferência de empregos para o exterior normalmente criam consequências negativas para a política nacional podendo levar ao enfraquecimento de instituições governamentais. Políticas geoeconômicas de industrialização aspiram a reverter esses efeitos.

Exemplos atuais do uso da Geoeconomia pela grandes nações mundiais

Alguns exemplos do uso contemporâneo da geoeconomia por grandes países são: 

  • China – Iniciativa Belt and Road (Cinturão e Rota): A China lançou a Iniciativa Belt and Road (BRI) como um ambicioso projeto de geoeconomia. A BRI envolve investimentos massivos em infraestrutura em países ao longo das rotas terrestres e marítimas que conectam a China à Europa, Ásia Central, África e outras regiões. Esse projeto busca expandir a influência econômica e política da China, criando novos mercados para as empresas chinesas, estabelecendo laços diplomáticos mais estreitos e garantindo o acesso a recursos naturais.
  • China – Made in China 2025: Paralelamente ao BRI, o plano “Fabricado na China 2025” representa uma estratégia econômica chinesa para se tornar líder global em setores de alta tecnologia até 2025. Esta iniciativa tem como objetivo impulsionar a inovação e a produção nacional em campos como inteligência artificial, robótica, biotecnologia e fontes de energia sustentável. Além disso, pretende reduzir a dependência de tecnologias estrangeiras, promovendo a indústria interna e aumentando a competitividade global. A estratégia chinesa também visa fortalecer a conectividade e estimular o crescimento econômico.
  • Índia – Vizinhança e Atuação Regional: A Índia também adota uma abordagem geoeconômica em sua vizinhança e região. Ela busca aumentar seus laços econômicos com países do Sul da Ásia e do Sudeste Asiático, promovendo investimentos e comércio. A Índia está particularmente interessada em competir com a China na região, estabelecendo parcerias econômicas e comerciais para contrabalançar a influência chinesa.
  • Índia – Projeto Mausam: é uma iniciativa do Ministério da Cultura da Índia, coordenada pelo Indira Gandhi National Centre for the Arts (IGNCA), em colaboração com a Archaeological Survey of India e o National Museum, que visa aprofundar a compreensão das rotas culturais e marítimas que conectam as regiões do litoral do Oceano Índico. O projeto explora como os padrões de monções, as paisagens marítimas e as rotas culturais moldaram as interações, disseminando sistemas de conhecimento compartilhado, tradições e tecnologias ao longo das rotas marítimas. Além disso, o Projeto Mausam busca reforçar as conexões entre os países do mundo do Oceano Índico, promovendo uma compreensão mais profunda dos valores e preocupações culturais, ao mesmo tempo em que examina as culturas nacionais dentro de seus contextos marítimos regionais.
  • União Europeia (UE): A UE emprega a geoeconomia para fortalecer sua posição no cenário global. Isso inclui a promoção do mercado único europeu, que cria um bloco econômico poderoso, bem como acordos comerciais e políticas para moldar as relações econômicas com outras nações. Além disso, a UE está desenvolvendo políticas econômicas com foco na soberania tecnológica e ambiental, visando a autonomia em áreas críticas, como inteligência artificial e transição para uma economia verde.
  • UE – Global Gateway: é uma iniciativa da União Europeia (UE) lançada para promover o desenvolvimento de infraestrutura em todo o mundo, com foco em regiões estratégicas para a UE. A iniciativa é projetada para melhorar a conectividade, desenvolver projetos de infraestrutura sustentável e facilitar o comércio e o investimento em parceria com outros países e regiões. O “UE – Global Gateway” visa fortalecer a presença da UE no cenário internacional, expandir suas relações econômicas e comerciais e contribuir para o desenvolvimento global, promovendo projetos de infraestrutura de alta qualidade e sustentabilidade em setores como transporte, energia e digitalização. Essa iniciativa é parte dos esforços da UE para desempenhar um papel de liderança na cena global e fortalecer suas relações econômicas com parceiros em todo o mundo.
  • Estados Unidos: Os Estados Unidos utilizam a geoeconomia para promover seus interesses e influência. Isso inclui o uso de sanções econômicas para pressionar regimes adversários, como a Rússia e o Irã. Além disso, os EUA buscam fortalecer suas alianças econômicas e comerciais, como a parceria transatlântica, para moldar normas e padrões globais.
  • Estados Unidos – Chips Act: é uma legislação de 2021 que tem como objetivo fortalecer a indústria de semicondutores nos EUA. Ele busca reduzir a dependência de outros países na fabricação de chips, melhorar a segurança nacional e estimular investimentos privados na produção de semicondutores. A lei fornece financiamento substancial para construir instalações de fabricação de chips nos EUA e incentiva parcerias público-privadas. Isso é fundamental devido à escassez global de semicondutores e à importância estratégica desses componentes para a economia e segurança dos EUA. Em resumo, o CHIPS Act visa tornar o país mais autônomo na produção de semicondutores e fortalecer sua indústria doméstica.
  • Estados Unidos – Plano de Renovação de Infraestrutura/ Lei de Redução da Inflação: O governo dos EUA também apresentou uma iniciativa de renovação de infraestrutura com o propósito de modernizar a rede de transporte, aprimorar a qualidade do abastecimento de água, investir em fontes de energia limpa e ampliar o acesso à internet em alta velocidade. Ambos os planos compartilham a meta de revitalizar as estruturas básicas, estimular o crescimento econômico e gerar oportunidades de emprego. Outra legislação relevante é a Lei de Redução da Inflação (LRI). Essa lei tem o objetivo de combater a inflação e fortalecer a economia. Ela propõe isenções fiscais e incentivos para as empresas, e em conjunto com o aumento dos gastos governamentais em áreas como infraestrutura, energia e educação, busca reduzir os custos de produtos e serviços, especialmente no contexto da energia sustentável.

Esses exemplos demonstram como as nações usam a geoeconomia como uma ferramenta estratégica para alcançar seus objetivos políticos e econômicos pelo mundo. Desempenhando um papel central na formulação de políticas internacionais e na determinação das relações de poder no Sistema Internacional.

A importância geopolítica do crescente uso da Geoeconomia

A importância geopolítica do crescente uso da geoeconomia é cada vez mais evidente em um mundo onde as nações competem não apenas pelo poder militar, mas também pela influência e controle econômico. 

Algumas das ferramentas e estratégias que têm contribuído para essa dinâmica geopolítica incluem subsídios, barreiras tarifárias, a abordagem “carrot and stick” (cenoura e chicote), bem como a economia como campo de batalha para a competição geopolítica e a política industrial como uma arma nas mãos dos Estados.

Alguns países têm utilizado subsídios econômicos como uma maneira de apoiar indústrias nacionais de outras nações estratégicas, para então ganhar vantagens competitivas em setores-chave, como tecnologia, energia e manufatura. Isso não apenas impulsiona o crescimento econômico, mas também pode ter implicações geopolíticas, já que países que subsidiam suas indústrias podem ganhar uma posição de liderança em setores globais, afetando a balança de poder.

A imposição de barreiras tarifárias, como tarifas de importação, é uma ferramenta comum na geoeconomia. Elas podem ser usadas para proteger setores domésticos, retaliar contra políticas de outros países ou influenciar o comércio internacional. As negociações comerciais e as disputas comerciais são frequentemente utilizadas para alcançar objetivos geopolíticos, como a abertura de mercados estrangeiros ou a obtenção de concessões políticas.

A abordagem “carrot and stick” envolve o uso de incentivos (a “cenoura”) e ameaças (o “chicote”) para influenciar o comportamento de outros países. Essa expressão é usada para descrever uma situação em que, para fazer alguém trabalhar mais ou alcançar outro resultado desejado, são oferecidas recompensas – e, ao mesmo tempo, são feitas ameaças de punições.

Os incentivos podem incluir acordos comerciais favoráveis, assistência financeira ou acesso a mercados, enquanto as ameaças podem ser sanções econômicas, restrições comerciais ou pressão diplomática. Esta estratégia é usada para moldar as ações de outros atores globais de acordo com os interesses geopolíticos.

Além disso, os Estados agora veem a economia como um campo de batalha e uma parte fundamental da competição geopolítica. Isso inclui o reconhecimento de que a tecnologia e a inovação desempenham um papel central na determinação da influência global.

As políticas industriais são usadas para promover setores estratégicos e garantir a autonomia em áreas críticas, como tecnologia avançada e energia. Isso pode levar a corridas tecnológicas e esforços para ganhar supremacia em campos como a inteligência artificial e a cibersegurança.

Um exemplo claro dessa dinâmica é a competição entre os Estados Unidos e a China na área de tecnologia e inteligência artificial. Ambos os países têm implementado políticas industriais para impulsionar sua liderança tecnológica, enquanto também recorrem a sanções e tarifas como parte de suas estratégias geoeconômicas. 

Além disso, a União Europeia tem se esforçado para estabelecer sua soberania tecnológica, adotando regulamentações rigorosas sobre privacidade de dados e competição justa.

Por fim, a geoeconomia se tornou uma ferramenta essencial nas Relações Internacionais, à medida que as nações competem pelo poder e influência não apenas no campo militar, mas também no econômico como mais um pilar de sustentação da segurança nacional. 

Com a rivalidade dos EUA e China aumentando cada vez mais, e a crescente importância de se dominar a produção e acesso a certas tecnologias, o uso da geoeconomia só tende a aumentar, deixando o neoliberalismo puro cada vez mais para trás.

Be First to Comment

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.