- A inauguração da linha férrea Z faz parte de um projeto maior que busca o desenvolvimento socioeconômico do sul do México;
- Com um caminho interoceânico através do seu território, o governo mexicano objetiva que o transporte férreo se torne uma alternativa ao Canal do Panamá;
- Além dos benefícios e implicações que sua construção pode trazer ao México, o cenário geopolítico também pode se beneficiar desse novo Corredor Interoceânico.
No dia 22 de dezembro de 2023 o México inaugurou uma nova linha férrea que liga os dois maiores oceanos do mundo: o Pacífico e o Atlântico, conectando o Porto de Salina Cruz, em Oaxaca, ao de Coatzacoalcos, na cidade de Veracruz.
Apesar do presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador, afirmar no evento de inauguração que não pretendem competir com os “irmãos panamenhos, pois tem respeito por eles”, a nova Linha Z do Trem Interoceânico do Istmo de Tehuantepec, que será administrado pela Secretaria da Marinha Mexicana, promete ser uma forte alternativa ao Canal do Panamá no transporte de carga e passageiros entre os dois oceanos.
A história e importância do clássico Canal do Panamá e como a nova linha interoceânica mexicana pretende se comparar a ele
O projeto ferroviário mexicano é uma grande aposta para competir com o Canal do Panamá, também na América Central e situado no extremo sul do país, trata-se de uma via marítima artificial com o mesmo papel fundamental da linha férrea mexicana: conectar um oceano ao outro.
Após apoiar o Panamá em seu processo de independência da Colômbia, pois tinham interesses em construir o canal na região, os Estados Unidos financiaram a obra que durou cerca de 10 anos e foi completa e inaugurada em 1914.
Antes da construção, uma viagem entre Atlântico e Pacífico tinha uma média de 20 mil quilômetros e durava cerca de 10 dias pois tinha que passar pelo Cabo Horn no sul da América do Sul. Com o canal panamenho, que tem cerca de 80 quilômetros, a travessia de um oceano a outro dura entre 8 a 10 horas.
Em 1999, a gestão do Canal passou a ser 100% panamenha, após constatarem que sua construção, ainda em gestão americana, não havia trazido retornos econômicos para o país que o canal potencialmente poderia trazer. O processo de transição da gestão durou 22 anos e iniciou-se com a assinatura do Tratado Carter-Torrijos em 1977.
Anualmente, cerca de 16 mil navios de 160 nações atravessam o canal, com o pedágio gerando cerca de 2 bilhões de dólares de receita. A via marítima pode ser considerada um dos principais fatores para que as relações comerciais entre países asiáticos e americanos aumentassem, diminuindo a distância geográfica entre eles entre a China e o leste dos EUA, facilitando o transporte de produtos.
Dessa forma, o Canal do Panamá pode ser considerado como a única rota eficiente de transporte entre os dois maiores oceanos. Assim, o governo mexicano surge com seu projeto de linha férrea com potencial para ser uma alternativa a soberania do canal panamenho, consequentemente trazendo desenvolvimentos socioeconômicos para seu país com a arrecadação de fundos provenientes do transporte interoceânico, geração de empregos e a conectividade.
O que é a nova linha férrea interoceânica do México e qual o seu papel no projeto socioeconômico de reestruturação do Corredor intercontinental
A Linha Z inaugurada no final de dezembro de 2023 é apenas uma das peças chaves para um projeto maior do atual governo de López Obrador, a reestruturação do Corredor Interoceânico, que foi inaugurado primeiramente por Porfírio Díaz em 1907 para transportar mercadorias do Pacífico até a costa leste dos Estados Unidos.
Entretanto, após crises no Istmo mexicano, uma faixa de terra mais estreita que liga dois territórios maiores, o desenvolvimento social e econômico da região decaiu e o Corredor entrou em desuso com a abertura do Canal do Panamá no ano de 1914.
Além da Linha Z, a rota no total contará com mais duas linhas, a K e a FA. Com uma faixa de cerca de 227 quilômetros, a Linha Z prevê uma viagem por dia, com duração de 7 horas e passagem em oito estações durante a rota. Para passageiros, a capacidade inicial é de 400 pessoas, divididas em categorias turística, executiva e gerencial.
A rota já inaugurada passa pelas seguintes cidades mexicanas, situadas em dois estados:
- Coatzacoalcos (Veracruz)
- Jaltipan de Morelos (Veracruz)
- Medias Aguas (Veracruz)
- Jesús Carranza (Veracruz)
- Donají (Oaxaca)
- Mogoñé (Oaxaca)
- Matías Romero (Oaxaca)
- Chivela (Oaxaca)
- Ixtepec (Oaxaca)
- Salina Cruz (Oaxaca)
Abaixo, um mapa simplificado da rota ferroviária Z, destacada em amarelo:
Através desse projeto férreo mexicano, o governo espera que, até 2028, 300 mil contêineres sejam transportados. Assim, a malha ferroviária teria força não apenas no transporte de passageiros e turistas, mas também de carga.
Ao lado do Trem Maia, linha turística inaugurada dia 18 de dezembro do mesmo ano, o projeto pretende trazer crescimento econômico e social ao sul do México, que tem um histórico de pobreza.
Em uma entrevista à AFP, Ernesto Stein, do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) do México, opinou que o potencial agrícola da região pode se tornar polo agroindustrial através das linhas férreas, diminuindo a disparidade econômica da região com o restante do país.
Quais são os benefícios e problemas que a construção da linha férrea interoceânica mexicana pode trazer ao seu próprio território
Não apenas o sul do país, mas todo o território mexicano pode se beneficiar da malha ferroviária, principalmente através do crescimento econômico previsto pelo governo para o sul do país.
Destrinchando, alguns dos maiores benefícios tanto para território mexicano quanto para os países que usufruem da rota Pacífico – Atlântico podem ser apontados como:
- Conectividade: que é um dos pilares mais importantes na geopolítica. Tanto a conectividade de estradas, ferrovias ou até mesmo a virtual é essencial para que os países criem laços e construam bases para crescerem/evoluírem economicamente para seu crescimento econômico;
- Investimento em infraestrutura: alavanca o crescimento econômico chamando a atenção de outras empresas que podem se interessar em investir no país;
- Criação de empregos: com o desenvolvimento e a construção de linhas férreas, novos empregos são gerados para a população;
- Crescimento econômico: como consequência dos tópicos anteriores, o projeto de Corredor Interoceânico pode trazer prosperidade econômica ao México.
- Seca no Canal do Panamá: a seca começou em 2023 causa prejuízos para o mercado e o comércio. Essas inconstâncias do mar podem se tornar mais frequentes, sendo agravadas pelas mudanças climáticas, diminuindo a efetividade e fazendo com que muitos navios precisem esperar semanas para atravessar de um oceano a outro. Dessa forma, o trem mexicano pode beneficiar aquelas empresas que são dependentes do canal panamenho.
Entretanto, um investimento tão grande por parte do México também pode trazer certos problemas e implicações em seu desenvolvimento. Alguns deles são:
- Problemas ambientais: a construção e desenvolvimento de ferrovias podem ocasionar diversos problemas no meio ambiente, os principais são o desmatamento, as alterações no solo e desequilíbrio da fauna local.
Em setembro de 2023, por exemplo, o turístico Trem Maia – também parte do projeto de fortalecer o transporte ferroviário mexicano, assim como a Linha Z, inaugurada no final do mesmo ano – fez sua primeira viagem no país, percorrendo cinco estados do sul do país. Muitos ativistas ambientais denunciaram a obra, que durou quatro anos após ser parada e retomada por decisões judiciais, por prejudicar as florestas, os rios subterrâneos e os animais locais.
- Alto tempo na realocação de containers: esse problema logístico de remover produtos dos navios, passar para o trem e novamente levar para os navios, pode se tornar um obstáculo para empresas que desejam maior praticidade em seu transporte. Apesar disso, uma viagem de trem pode ser muito mais rápida do que de navio, dependendo do local de partida e o destino que os produtos transportados terão.
- Polo produtivo dos EUA a de-risking da China: com a proximidade entre México e Estados Unidos, o país norte americano pode preferir concentrar suas exportações e importações através do território mexicano, que se torna um potencial polo produtivo dos EUA.
Com o potencial norte-americano no país, as relações comerciais entre México e China, que cresceram significativamente ao longo das décadas com várias empresas chinesas instaladas no país, podem sofrer tensões.
Já o de-risking (redução de riscos) chinês trata-se de uma maneira que os Estados Unidos encontrou de tentar diminuir o risco geopolítico da alta dependência americana à economia Chinesa. Essa estratégia também visa a frear o crescimento do país asiático, principalmente na indústria da tecnologia. Esta seria também uma forma de desacoplamento, que pode afetar a China em seus objetivos de superar o país norte americano.
O fortalecimento de um polo produtivo americano no México pode fortalecer o de-risking, considerando que existem empresas chinesas que atuam em solo mexicano. Porém, ao mesmo tempo, a nova linha Interoceânica ajuda no processo de de-risking dos EUA em direção ao México o que eventualmente é extremamente benéfico ao país como um todo trazendo investimentos de bilhões de dólares e empregos.
Qual a importância geopolítica de uma nova ligação entre os dois maiores oceanos?
Além dos benefícios e implicações que a construção e o desenvolvimento da linha férrea interoceânica podem trazer ao próprio México, citadas acima, sua criação também traz consequências geopolíticas para a forma de transporte e comércio, principalmente entre os países asiáticos e americanos.
A criação da linha ferroviária configura-se como mais uma alternativa essencial ao Canal do Panamá, que antes não existia, para grandes empresas transportarem seus produtos do Pacífico ao Atlântico de forma eficiente.
Ademais, o Canal do Panamá é uma rota instável que pode passar por períodos de cheias ou secas recorrentes em que a quantidade de navios que atravessam precisam diminuir ou acabam parados na fila, tendo que esperar semanas para que possam atravessar de um lado ao outro.
O mercado e o comércio são diretamente afetados por essas inconstâncias, sofrendo prejuízo na cadeia de suprimentos e baixas no estoque, com consequentes altos custos e inflação dos produtos transportados pela rota, causando problemas para as grandes empresas que necessitam da rota e os próprios consumidores.
Com a alternativa férrea construída pelo México, as empresas e os países não vão necessitar inteiramente do canal panamenho, podendo optar pela rota térrea mexicana em certos períodos.
Em suma, não apenas o México se beneficiará da linha ferroviária com potenciais melhorias socioeconômicas em seu território, mas também o cenário geopolítico e principalmente as empresas que constantemente precisam transportar seus produtos do Pacífico ao Atlântico ou vice e versa e sempre buscam formas mais eficientes de fazê-lo.
Considerando todos os fatores, o projeto do Corredor Interoceânico do México pode ter capacidade de prosperar e rivalizar com o histórico canal panamenho. Geralmente, mais conectividades e alternativas de transporte são sempre benéficas às comunidades locais e à economia global como um todo. Quanto mais, melhor.
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