- A região de Essequibo renvidicada por Maduro abrange uma área significativa, totalizando cerca de 159.500 km², representando dois terços do território total da Guiana.
- A Guiana concedeu licenças de exploração a empresas petrolíferas, resultando em reivindicações territoriais por parte da Venezuela;
- A reivindicação da Venezuela se assemelha a políticas externas de outros líderes populistas usadas para criar união nacional e distrair a população dos problemas nacionais.
A disputa territorial entre Venezuela e Guiana pela região de Essequibo, marcada por uma longa história de mais de um século, assume uma nova complexidade no contexto atual com um referendo Venezuelano.
Dessa forma, é importante explorar o histórico dessa disputa e das descobertas de petróleo que agitaram a região. Em paralelo, podemos analisar como a estratégia do líder venezuelano Nicolás Maduro pode ser comparada à abordagem do líder argentino General Leopoldo Galtieri durante a Guerra das Malvinas na década de 80.
Histórico da disputa territorial entre a Venezuela e a Guiana
A Venezuela e a Guiana têm travado uma prolongada e delicada disputa territorial pela região do Essequibo, localizada na América do Sul. A história desse conflito remonta ao século XIX, quando as fronteiras coloniais foram delineadas.
Em 1899, um tribunal arbitral, composto por representantes dos Estados Unidos, Reino Unido, Rússia, Itália e Suécia, emitiu um laudo que concedia a maior parte do território em questão à Guiana Britânica, atual Guiana. No entanto, a Venezuela rejeitou o veredicto, alegando interferência estrangeira.
Ao longo das décadas, as relações entre os dois países oscilaram entre momentos de tensão e períodos de diálogo. A recente descoberta de extensas reservas de petróleo na região reacendeu as hostilidades, com a Venezuela agora reivindicando direitos sobre esses recursos, mesmo já tendo as maiores reservas mundiais de petróleo.
Em 2018, a Guiana concedeu licenças de exploração de petróleo em águas disputadas, levando a Venezuela a reivindicar a área como parte de seu território. A escalada da situação por parte da Venezuela culminou em um impasse diplomático.
Diante desse cenário, a Corte Internacional de Justiça (CIJ) entrou em cena. Organizações internacionais, incluindo a ONU, incentivaram a mediação e a intervenção da CIJ para buscar uma solução pacífica. Em 2021, a CIJ decidiu que tinha jurisdição para analisar a disputa, abrindo caminho para audiências e uma possível resolução legal do conflito.
Enquanto as deliberações da CIJ prosseguem, a região do Essequibo permanece como um ponto de atrito crucial entre Venezuela e Guiana. O desfecho deste conflito aguarda uma decisão definitiva da CIJ, enquanto ambos os países buscam preservar seus interesses na disputada região.
Descobertas de petróleo na região de Essequibo na Guiana
Na última década, a Guiana emergiu como um novo player no cenário global de petróleo, graças à descoberta significativa de vastas reservas na região da Bacia de Guiana, ao largo do nordeste de sua costa. Empresas líderes, como ExxonMobil, Hess Corporation e CNOOC (China National Offshore Oil Corporation), têm desempenhado um papel fundamental nessa nova fronteira do petróleo.
O marco inicial ocorreu em 2015, quando a ExxonMobil anunciou a descoberta do campo de petróleo Liza, situado na Zona Marítima Exclusiva da Guiana. Desde então, a região tem sido palco de contínuas explorações que revelaram quantidades substanciais de petróleo em campos como Payara, Snoek, Liza Deep e Turbot.
A magnitude dessas descobertas aponta para reservas que podem ultrapassar 1 bilhão de barris de petróleo apenas em Liza. Essas descobertas promissoras têm implicações não apenas para a economia guianense, mas também para o equilíbrio geopolítico global e a dinâmica do mercado de energia.
Com essa riqueza recém-descoberta, a Guiana está no caminho para se tornar um importante produtor de petróleo na região, potencialmente competindo com nações vizinhas, como Brasil e Venezuela. Além disso, a perspectiva de produção de gás natural amplia ainda mais as possibilidades, posicionando a Guiana como um potencial fornecedor alternativo para mercados globais, especialmente para a Europa em busca de diversificação de suas fontes de energia.
No entanto, embora a Guiana esteja pavimentando seu caminho como uma nova potência energética, desafios relacionados à gestão de recursos, impactos ambientais e negociações contratuais justas, além da disputa territorial reaquecida pela Venezuela podem ser obstáculos.
Ameaça de Maduro contra a Guiana comparada à revindicação das Malvinas pelo General Galtieri
A atual postura do presidente venezuelano, Nicolás Maduro, e sua estratégia de reivindicar a região disputada de Essequibo por meio de um referendo têm gerado comparações com eventos históricos, mais notavelmente com a abordagem do líder argentino General Leopoldo Galtieri durante a Guerra das Malvinas em 1982 entre a Argentina e o Reino Unido.
Ambos os líderes buscaram consolidar o apoio interno por meio de movimentos nacionalistas, utilizando disputas territoriais para desviar a atenção de questões políticas e problemas internos.
Assim como Galtieri buscou afirmar a soberania argentina nas Malvinas contra o Reino Unido para consolidar sua liderança que andava enfraquecida nos últimos anos da ditadura militar na Argentina, Maduro parece utilizar a reivindicação de Essequibo como uma estratégia para unificar a população venezuelana, uma vez que enfrenta críticas sobre uma economia em crise e pela falta aparente de liberdade na realização de eleições presidenciais marcadas para 2024.
As críticas em relação às eleições livres na Venezuela têm acentuado a controvérsia em torno da legitimidade do governo de Maduro. A vitória declarada por Maria Corina Machado, escolhida para disputar na oposição, intensifica o debate, especialmente considerando sua proibição de ocupar cargos públicos por 15 anos, imposta devido ao seu apoio às sanções dos Estados Unidos contra o governo de Maduro.
Essa proibição, prorrogada pelo regime venezuelano, demonstra politização do processo eleitoral e as restrições impostas a figuras da oposição. O impasse entre o governo e a oposição em relação às desqualificações para as eleições de 2024 adiciona uma camada de incerteza, alimentando a preocupação sobre a genuinidade do processo democrático no país.
Desta forma, assim como Geltieri usou a crise nas Malvinas para distrair o público argentino dos problemas e fraquezas do seu governo, analistas acreditam que Nicolás Maduro também reacendeu a reivindicação por 2/3 do território da Guiana para distrair o seu povo dos problemas internos e políticas autoritárias de Caracas.
“A história não se repete, mas muitas vezes rima” – Mark Twain.
Essa estratégia não é nova e ela já foi muitas vezes usadas através da história por líderes populistas pelo mundo. Ela é muitas vezes chamada de efeito “união em torno da bandeira” ou política externa diversiva ou de distração. Esta estratégia envolve um líder ou governo que cria ou destaca deliberadamente uma ameaça ou inimigo estrangeiro para desviar a atenção das questões internas, unir a população e reforçar o apoio à liderança.
Ao enfatizar uma ameaça externa, os líderes podem procurar unir a opinião pública, suprimir a dissidência interna e consolidar o poder. Essa tática foi observada em vários contextos históricos e políticos. No entanto, é importante notar que a eficácia de tais estratégias pode variar e as implicações éticas são frequentemente objecto de debate.
A Venezuela vai atacar militarmente a Guiana?
Analisando a possível ameaça de um ataque militar massivo da Venezuela à Guiana, é plausível concluir que tal cenário é improvável.
Algumas razões sustentam essa perspectiva:
- Abundância de Reservas de Petróleo: A Venezuela já detém as maiores reservas comprovadas de petróleo do mundo, proporcionando uma base econômica robusta. A falta de necessidade urgente de mais território rico em petróleo sugere que a ação militar seria desnecessária.
- Presença da ExxonMobil e intervenção Militar dos EUA: A Guiana é palco de atividades exploratórias da ExxonMobil, uma gigante do setor petrolífero dos EUA. Qualquer ameaça à estabilidade na região poderia resultar na intervenção militar dos Estados Unidos, interessados em proteger seus interesses e aliados.
- Lições da Ucrânia: É importante destacar que a Venezuela, ao contrário da Rússia, não possui armas nucleares. Nesse cenário, embora as grandes potências e países economicamente fortes tenham mostrado hesitação em se envolver em conflitos armados globais, a ausência de capacidade nuclear na Venezuela torna mais provável uma intervenção militar direta por parte desses países em favor da Guiana.
- Possibilidade de Intervenção Francesa: Com tropas francesas na Guiana Francesa, uma resposta rápida a um possível ataque venezuelano é viável, especialmente se solicitada pela Guiana. Portanto a presença militar francesa na região pode criar uma barreira adicional a ações agressivas.
- Críticas do Brasil: Mesmo o Brasil, historicamente alinhado com o governo de Maduro, criticou o referendo sobre Essequibo. A repreensão do presidente Lula indica uma rejeição regional à provocação, sugerindo que a Venezuela enfrenta resistência mesmo de aliados próximos.
Uma provável ação da Venezuela na Guiana….
Neste caso, o mais provável que pode ocorrer é uma pequena provocação militar Venezuelana do tipo de guerra híbrida para incitar uma reação armada da Guiana ou da comunidade internacional. Por exemplo, navios da marinha Venezuelana podem tentar bloquear plataformas petrolíferas da Guiana esperando uma reação armada onde seus navios ou marinheiros acabem atingidos/feridos.
Um evento como esse levaria a uma considerável reação emocional e indignação por parte do povo venezuelano, unificando o país ainda mais atrás do líder Maduro, fazendo-os esquecer dos problemas econômicos de Caracas e da falta de liberdade nas eleições presidenciais de 2024, concentrando ainda mais o poder nas mãos de Maduro que teria assim atingido seu objetivo final de manutenção de poder sem entrar realmente em guerra contra a Guiana.
Com esses elementos em consideração, é possível inferir que a ação da Venezuela se configura como uma provocação e estratégia de política interna, buscando desviar a atenção da população dos problemas domésticos, ao mesmo tempo em que estimula um sentimento nacionalista para elevar a popularidade de Maduro. Isso ecoa o cenário observado no caso de Galtieri, onde ações semelhantes foram tomadas para consolidar o apoio interno diante de desafios políticos e econômicos.
O contexto geopolítico e as relações internacionais indicam que as consequências desse tipo de ação seriam significativas e potencialmente desfavoráveis para a Venezuela. Porém, o que é desfavorável para Venezuela pode ser favorável para Maduro e todo o ressurgimento desta disputa tem exatamente esse objetivo.
A derrota argentina na Malvinas levou à queda de Galtieri e ao fim da ditadura militar no país. Uma ação militar massiva por parte de Maduro provavelmente levaria ao mesmo desfecho. Por isso acreditamos que Maduro não atacará a Guiana de uma forma aberta direta. Porém, usará provações militares e híbridas para incitar um potencial reação e assim unificar o país ainda mais atrás de seu governo. Se a nossa análise está certa, só os próximos meses dirão.
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