- A Rússia tem se mostrado incapaz de cumprir suas obrigações de segurança no conflito de Nagorno-Karabakh;
- A Armênia, historicamente alinhada com a Rússia, está buscando diversificar suas alianças geopolíticas, aproximando-se dos Estados Unidos;
- Os EUA podem envolver a Armênia em suas tensões com a China e o Irã, o que aumenta a complexidade das relações exteriores de Yerevan.
O conflito de Nagorno-Karabakh é uma das disputas territoriais mais antigas e complexas da atualidade, envolvendo a Armênia e o Azerbaijão.
A falta de atuação e suporte russos prometidos para a Armênia no conflito de Nagorno-Karabakh, está dando lugar a uma aproximação entre os Estados Unidos e a Armênia.
Essa mudança na dinâmica geopolítica no Sul do Cáucaso promete impactar a região por longa data, reconfigurando as alianças políticas e militares da região.
O conflito de Nagorno-Karabakh entre a Armênia e o Azerbaijão
Situada no Cáucaso, essa região montanhosa tem sido palco de tensões étnicas e territoriais que perduram há décadas, levando a violentos confrontos ao longo dos anos.
As raízes do conflito remontam ao início do século XX, quando ambas as nações eram parte da União Soviética. Nagorno-Karabakh, uma região majoritariamente habitada por armênios, foi designada pelas autoridades soviéticas como uma região autônoma dentro do Azerbaijão, uma decisão que gerou insatisfação entre a população armênia.
A desintegração da União Soviética que aconteceu em 1991 desencadeou uma guerra devastadora entre as duas nações, resultando em milhares de mortes e na “independência de facto” de Nagorno-Karabakh em relação ao Azerbaijão. A Armênia chama essa região da República de Artsakh.
Isso significa que apesar de não serem reconhecidos como uma nação independente pela maioria dos países do mundo, funcionavam de maneira autônoma com seu próprio governo, sistema legal e controle sobre o território.
Apesar de um frágil cessar-fogo em 1994, o conflito permaneceu latente, com ocasionais confrontos e tensões contínuas na região. No entanto, em setembro de 2020, a situação escalou rapidamente quando o Azerbaijão lançou uma ofensiva militar em grande escala, retomando territórios anteriormente controlados por Armênios em Nagorno-Karabakh.
Isso desencadeou um conflito de seis semanas que resultou em milhares de mortes e no deslocamento de dezenas de milhares de pessoas e a eventual vitória do Azerbaijão.
O cessar-fogo mediado pela Rússia em novembro de 2020 encerrou temporariamente os combates, mas as tensões persistem. Muitas questões permanecem em aberto, incluindo o status final de Nagorno-Karabakh e o destino das comunidades armênias e azerbaijanas que vivem na região.
A Rússia, que outrora emergiu como mediadora-chave, por meio da Organização do Tratado de Segurança Coletiva (ou Collective Security Treaty Organization, CSTO), deixou Yerevan a ver navios após seu pedido de ajuda quando o conflito se intensificou em 2022.
A Armênia e o Azerbaijão trocaram acusações sobre a responsabilidade pela violência. Após o forte apelo de Yerevan, a Rússia mediou uma trégua entre as partes. No entanto, confrontos adicionais ocorreram em menos de uma semana após a trégua mediada.
Além disso, a Türkiye e o Irã acompanharam de perto o conflito, com interesses estratégicos em jogo. A Türkiye apoia abertamente o Azerbaijão, enquanto o Irã – com sua população armênia considerável – permanece cauteloso.
A incapacidade Russa de defender a Armênia sob o Collective Security Treaty Organization (CSTO)
As relações entre a Rússia e a Armênia, historicamente consideradas estratégicas, estão enfrentando uma rápida deterioração.
O cessar-fogo mediado pela Rússia e a introdução de suas tropas de paz em Nagorno-Karabakh em 2020 desempenharam um papel crucial na manutenção do acordo.
No entanto, a incapacidade – devido sua forte atuação militar na guerra da Ucrânia – ou falta de vontade russa em implementar plenamente o acordo que ajudou a negociar, minou sua influência.
A Rússia não conseguiu conter as violações azerbaijanas em Nagorno-Karabakh e não manteve o controle sobre o corredor de Lachin, a única estrada que liga a República da Armênia aos cerca de 120.000 armênios étnicos em Nagorno-Karabakh.
Além disso, quando o Azerbaijão atacou território armênio, a Rússia não cumpriu suas obrigações de segurança enquanto membro do CSTO, enfraquecendo ainda mais sua posição na região.
Ainda, a presença permanente de cerca de 10.000 tropas russas na Armênia tem sido uma pedra angular da segurança armênia, mas essa presença está agora em xeque.
A Rússia sempre considerou a Armênia como parte de sua “esfera privilegiada de influência“, mas a crítica armênia à falta de ação russa diante da agressão azerbaijana e o desejo de diversificar suas parcerias de segurança estão minando essa relação.
Em vista disso, a Armênia, recentemente, anunciou exercícios militares conjuntos com os Estados Unidos, sinalizando um afastamento da dependência de Moscou e uma aproximação com seu rival de longa data.
Nesse cenário, a Armênia enviou o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional ao parlamento, um movimento que tem implicações controversas.
Enquanto isso, Moscou expressou insatisfação com a decisão, já que o estatuto poderia potencialmente obrigar a Armênia a prender o presidente russo Vladimir Putin, em decorrência de um mandado de prisão emitido pelo Tribunal Penal Internacional (ICC) por alegados crimes de guerra na Ucrânia, aumentando ainda mais a tensão nas relações Rússia-Armênia.
No momento da escrita deste artigo, tropas azerbaijanas avançaram rapidamente nas 24 horas de combates que começaram em 19 de setembro de 2023. Então, as autoridades em Nagorno-Karabakh e no Azerbaijão anunciaram um cessar-fogo mediado pela Rússia.
O acordo prevê o desarmamento completo e a dissolução das forças militares de Karabakh, seguido de negociações sobre a integração do enclave no Azerbaijão, o que é crucial para os 120.000 armênios étnicos em Nagorno-Karabakh.
O vice-ministro das Relações Exteriores da Armênia, Paruyr Hovhannissyan, afirmou que, teoricamente, os armênios étnicos poderiam viver sob o domínio azerbaijano, desde que haja diálogo. O presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev, prometeu que os residentes de Karabakh teriam “os mesmos direitos que outros cidadãos do Azerbaijão” e “alguma forma de autogoverno”.
No entanto, os armênios temem que o controle pelo Azerbaijão possa levar à limpeza étnica e ao deslocamento forçado dos armênios de Karabakh, uma alegação negada por Baku.
ÚLTIMA ATUALIZAÇÃO: Finalmente em Setembro de 2023, houve uma vitória final das tropas do Azerbaijão, com a fuga em massa da população Arménia de Nagorno-Karabakh e a efetiva dissolução da região autônoma e da República de Artsakh.
A investida geopolítica Americana na Armênia e o papel da diáspora Armênia nos EUA
Em 2022 Nancy Pelosi, a então presidente da Câmara dos Representantes dos EUA, fez uma visita histórica à Armênia e levantou questões sobre as alianças geopolíticas do país.
A preocupação da Armênia era com a capacidade de Moscou de garantir a segurança de seu país diante do poder militar superior do Azerbaijão, especialmente considerando o apoio da Türkiye à Baku.
É importante ressaltar que a diáspora armênia nos EUA desempenha um papel significativo na influência americana sobre Yerevan. Muitos armênios-americanos também se envolvem em atividades de lobby junto ao governo dos EUA para promover políticas que beneficiem seu país de origem.
Além disso, é interessante observar que a família Kardashian – celebridades de ascendência armênia – também têm um impacto na conscientização sobre o país e sua diáspora nos EUA.
Kim Kardashian, em particular, tem usado sua visibilidade para destacar questões relacionadas à Armênia e à justiça para o Genocídio Armênio. Ela tem participado de esforços de advocacia e tem usado suas redes sociais e plataforma de mídia para aumentar a conscientização sobre a história e a cultura do país.
Embora a família não tenha uma influência política direta sobre as políticas dos EUA em relação à Armênia, seu envolvimento em questões armênias aumentou a visibilidade da diáspora armênia e contribuiu para a discussão pública sobre essas questões nos Estados Unidos.
Como consequência, Isso pode indiretamente influenciar a opinião pública e a consciência das questões armênias entre os estadunidenses, o que pode, por sua vez, afetar o ambiente político em relação à Yerevan nos EUA.
Em sua visita à Armênia em 2022, Nancy Pelosi também expressou apoio à Armênia e condenou os ataques do Azerbaijão. Ela destacou a importância de defender a democracia e os direitos humanos na Armênia em um momento de crescente instabilidade.
A surpreendente exibição de bandeiras estadunidenses nas ruas da Armênia durante a visita de Pelosi simbolizou o apelo por apoio dos EUA por parte da população, refletindo a crescente insatisfação em relação à aliança com a Rússia e a busca de alternativas para garantir a segurança do país.
Embora os EUA atualmente expressem apoio à Armênia e condenem a agressão do Azerbaijão, o verdadeiro objetivo dos EUA em relação à Armênia pode ser múltiplo.
No documento que descreve a estratégia do governo dos Estados Unidos para as relações com 175 países, incluindo Armênia, fica evidente que além de sua postura anti-Rússia, os EUA estão envolvendo a Armênia em suas tensões com a China e o Irã, o que aumenta ainda mais a complexidade das relações exteriores do país.
O documento declara que o objetivo do governo norte-americano é “aprimorar a capacidade de parceiros e aliados para resistir e enfrentar operações de influência e desinformação, especialmente por parte da Rússia e da RPC (República Popular da China)”.
Além disso, “combater ameaças provenientes da Rússia, RPC, Irã e de outros Estados, bem como de atores não estatais e tecnologias disruptivas emergentes que representem uma ameaça para a segurança dos EUA, da Europa e de outras regiões”.
Em face à aproximação Armênia-EUA, o Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia (MFA) reagiu às preocupações recentes sobre a relação de segurança entre Yerevan e Moscou.
Em 8 de setembro de 2023, o MFA russo expressou preocupações com as dúvidas dentro da elite política armênia em relação aos laços bilaterais, trilaterais e à CSTO, dominada pela Rússia.
Eles alegaram que a liderança armênia realizou ações hostis, como o fornecimento de ajuda humanitária à Ucrânia, visitas de autoridades armênias à Ucrânia e a realização de exercícios militares conjuntos com os EUA.
Além disso, criticaram a possível ratificação do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional pela Armênia e emitiram um protesto formal ao embaixador armênio na Rússia.
Esta resposta do MFA indica que a Rússia está preocupada com a insatisfação armênia em relação à sua segurança, além dos grupos extremistas na Rússia, a preocupação também atinge o próprio governo russo.
A importância geopolítica da aproximação entre Washington e Yerevan em detrimento dos interesses Russos em sua esfera de influência
A crescente aproximação entre os Estados Unidos e a Armênia, emerge como um tópico geopolítico de importância significativa na região do Cáucaso.
A Armênia, historicamente alinhada com a Rússia, tem buscado diversificar suas alianças geopolíticas. Isso representa uma estratégia fundamental para o país, que historicamente dependeu fortemente da Rússia para sua segurança e desenvolvimento.
Portanto, ao estreitar laços com os Estados Unidos, a Armênia busca reduzir sua dependência exclusiva da Rússia e explorar novas oportunidades de cooperação, visto que sua segurança está comprometida.
Para Washington, essa aproximação oferece uma oportunidade de fortalecer sua presença na região do Cáucaso, que possui uma localização estratégica crucial entre a Europa e a Ásia, além de recursos energéticos substanciais. Os Estados Unidos podem, assim, equilibrar o poder na região e desafiar a influência tradicionalmente exercida pela Rússia e recentemente pela China.
A Rússia historicamente considerou o Cáucaso como parte de sua esfera de influência, mantendo uma base militar na Armênia e usando organizações como a CSTO para manter sua presença na região. Então, a expansão da influência dos EUA representa um desafio direto a essa hegemonia russa.
Além disso, com o desfecho do conflito em Nagorno-Karabakh em Setembro de 2023 e a efetiva dissolução da região autônoma, a Rússia finalmente perdeu total influência em um conflito congelado que não existe mais. Sobra a Moscou continuar sua intromissão em outros conflitos congelados da região da ex-USSR como Abkhazia e Ossétia do Sul na Georgia, Transnistria em Moldavia e obviamente as região anexadas ilegalmente na Ucrânia.
Isso demostra mais um exemplo de como a invasão da Ucrânia foi um grande erro estratégico Russo. Como visto aqui, somente na região do Cáucaso a fraqueza Russa levou à Armênia a se aproximar dos Estados Unidos, o Azerbaijão a completamente ignorar a mediação Russa no conflito e a Moscou perder poder de intromissão em um conflito de terceiros que não existe mais.
Uma derrota militar de Moscou na Ucrânia ainda é incerta, mas a derrota geopolítica já é certa.
[…] a minar os interesses russos em territórios historicamente alinhados com Moscou na Eurásia, como Armênia, Cazaquistão, Ucrânia e Uzbequistão. Essa disputa não é apenas uma batalha por influência, […]