Em um acordo histórico, as nações que formam o grupo do G7 (as economias mais avançadas do mundo) concordaram em fazer as empresas multinacionais pagarem mais impostos diminuindo incentivos à “otimização tributária extrema.”
Os ministros das finanças reunidos em Londres concordaram em combater a otimização tributária extrema, fazendo com que as empresas paguem nos países onde fazem negócios e não em paraísos fiscais para onde normalmente transferem os lucros em forma de pagamento de royalties para suas filiais nesses países.
Eles também concordaram, em princípio, com uma alíquota mínima global de imposto corporativo de 15% para evitar que os países se prejudiquem.
Gigantes da tecnologia como Amazon e Google podem estar entre as empresas mais afetadas.
Por exemplo, foi relatado esta semana que uma subsidiária irlandesa da Microsoft pagou zero imposto sobre as sociedades sobre lucros de US$ 315 bilhões (£ 222 bilhões) no ano passado porque era residente nas Bermudas para fins fiscais.
O acordo anunciado no sábado, dia 5 de junho de 2021, entre os EUA, Reino Unido, França, Alemanha, Canadá, Itália e Japão, além da União Europeia, pode gerar bilhões de dólares em receita fiscal a governos para saldar dívidas contraídas durante a crise de Covid.
Diferença entra evasão fiscal e otimização fiscal/tributária ou elisão fiscal
A evasão fiscal ocorre quando uma pessoa física ou jurídica reduz ou oculta o valor da receita que deveria ser informada às autoridades fiscais para poder pagar menos imposto (ou mesmo nenhum). Outra forma de fazer isso é adicionando despesas fraudulentas para reduzir o valor da receita tributada. A evasão fiscal é geralmente considerada crime.
Já a elisão fiscal configura-se num planejamento que utiliza métodos legais para diminuir o peso da carga tributária num determinado orçamento. Também conhecida como otimização tributária extrema, ela é normalmente usada por grandes multinacionais usando outra jurisdição fiscal ou país para pagar menos impostos.
Ao contrário da evasão fiscal, a elisão fiscal não é considerada crime, embora às vezes possa ser vista como antiética, dependendo de como essa elisão é realizada.
Por exemplo, a problema que a nova diretriz do G7 tenta solucionar é chamado de “evasão fiscal extrema” ou “planejamento tributário agressivo”, que é quando um indivíduo ou empresa usa “brechas” no sistema tributário internacional ou uma incompatibilidade entre duas jurisdições fiscais (países, territórios ultramarinos, estados, e outros) para minimizar seus impostos de forma que vá contra o “espírito” da lei.
Um exemplo de otimização fiscal extrema é o fato de 60 das empresas mais lucrativas da Fortune 500 nos Estados Unidos não pagaram impostos (ou pagaram muito pouco) sobre um total de US $ 79 bilhões de lucros obtidos em 2018.
O que são paraísos fiscais?
Embora não haja consenso sobre a definição exata de paraísos fiscais, a maioria dos acadêmicos e dos governos classificam os paraísos fiscais como jurisdições fiscais (cidades, estados, países ou territórios ultramarinos com seus próprios regulamentos tributários) que têm pequenas ou nenhuma alíquota de imposto efetiva. Além disso, os paraísos fiscais costumam oferecer sigilo a pessoas físicas e jurídicas que os utilizam como destinos para fluxos financeiros e investimentos para fugir no “leão.”
Não existe um acordo geral sobre a definição de paraíso fiscal, nem uma lista geralmente acordada de paraísos fiscais. No entanto, alguns territórios ultramarinos, como as Bahamas, Bermudas, Ilhas Cayman, a Suíça, e o estado americano de Delaware, tendem a ser incluídos nas listas mais conhecidas de paraísos fiscais.
É importante observar que, embora os paraísos fiscais geralmente desempenhem um papel central nos esquemas de evasão e elisão fiscal extrema, essas manobras tributárias também podem ocorrer sem o envolvimento dos paraísos fiscais.
Guerra tributária/competição tributária prejudicial/Corrida ao fundo do poço (fiscal)
A alíquota mínima global de imposto corporativo de 15% quer evitar que países continuem uma “race to the bottom” (corrida ao fundo do poço) em termos de taxas de imposto corporativo.
Isso também é chamado de concorrência fiscal prejudicial, ou guerra tributária, que ocorre quando diferentes jurisdições fiscais competem umas com as outras, reduzindo suas alíquotas de impostos ou alterando seu código tributário para atrair investimentos corporativos ou privados.
Um evento atual que foi visto por muitos como um exemplo clássico de concorrência fiscal prejudicial foram as decisões da Amazon de abrir uma competição entre as cidades americanas para ver qual lhes ofereceria mais incentivos fiscais para atrair seu investimento em uma segunda sede.
Essa prática também é comum entre os países que competem entre si por Investimentos Estrangeiros Diretos (IEDs). Além disso, esse tipo de competição fiscal é comumente referido como políticas de “beggar-thy-neighbor” (que empobreça meu vizinho).
Segundo Grabiel Zucman, por causa dessa guerra fiscal, a taxa média global de imposto corporativo caiu de 49 por cento em 1985 para 24 por cento em 2018. Quando isso ocorre, essa diminuição de receita tributária corporativa tem que ser compensada aumentando impostos em outras áreas ou em outros públicos, como a classe média.
Por que esse acordo fiscal para evitar otimização fiscal extrema é importante para e economia mundial? Por que as nações mais ricas do mundo querem mudar as regras de taxação internacional?
Os governos há muito enfrentam o desafio de tributar empresas globais que operam em muitos países.
Esse desafio cresceu com o boom de grandes corporações de tecnologia como Amazon e Facebook.
No momento, grandes empresas multinacionais podem abrir filiais locais em países com taxas de imposto corporativas relativamente baixas e declarar lucros nesses países.
Isso significa que elas pagam apenas a taxa local de imposto, mesmo que os lucros venham principalmente de vendas feitas em outros países como Brasil, Alemanha, Rússia, França, etc… Isso é legal e comumente feito.
O acordo do G7 visa impedir que isso aconteça de duas maneiras:
Em primeiro lugar, o G7 terá como objetivo fazer com que as empresas paguem mais impostos nos países onde vendem seus produtos ou serviços, e não onde elas acabam declarando seus lucros.
Em segundo lugar, os países do G7 querem uma alíquota tributária mínima global para evitar que os países se prejudiquem competindo uns contra os outros com alíquotas tributárias cade vez mais baixas.
Os dois pilares do acordo visam combater os paraísos fiscais pois reduzem os incentivos para as empresas multinacionais de “se mudarem” para o exterior quando criam filiais nesses paraísos para pagar menos impostos.
Esse imposto mínimo global ajudará a economia global a prosperar, nivelando o campo de jogo para as empresas e encorajando os países a competir em bases positivas para atrair empresas, e não somente reduzindo impostos para atrair investimento.
Com essa nova receita, países poderão pagar a dívida contraída durante a pandemia de Covid e estar melhor preparados para outras emergências.
Além disso, essa nova receita fiscal das multinacionais para levar a uma redução da carga fiscal de classe média que ficará com mais dinheiro no bolso para investir e gastar, incentivando assim a economia a crescer.
Como funcionaria o acordo do G7 para tributação internacional mínima?
As regras sobre obrigar as multinacionais a pagarem impostos onde operam – conhecidas como “pilar um” do acordo – se aplicariam a empresas globais com pelo menos uma margem de lucro de 10%.
20% de qualquer lucro acima disso seriam realocados e tributados nos países onde operam.
No caso do Reino Unido, por exemplo, mais receita tributária seria obtida de grandes multinacionais e ajudaria a pagar por serviços públicos.
O segundo “pilar” do acordo compromete os estados com uma alíquota global mínima de imposto corporativo de 15% para evitar que os países se prejudiquem competindo um com os outros.
Por que esse acordo fiscal internacional do G7 está acontecendo agora?
É difícil de dizer com certeza por que esse acordo só foi estabelecido agora. Um possível motivo seria o medo do sentimento antielitista mundial que vem crescendo em quase todo mundo e tem se manifestado na forma do crescimento do populismo de direita e esquerda nas maiores economias do mundo.
Segundo diversos acadêmicos, esse antielitismo vem crescendo nos últimos anos devido a crises econômicas globais que levaram a uma mudança na opinião pública a respeito da “justiça do sistema” como um todo, questionando se o sistema não estava manipulado para somente beneficiar a elite econômica mundial e não a classe média como um todo.
A grande crise financeira de 2008 foi uma crise originada nos Estados Unidos e, de acordo com a maioria dos especialistas, foi consequência da abundante expansão do crédito por parte do governo e dos bancos americanos, associada a empréstimos imprudentes e às vezes fraudulentos por parte dos bancos.
Essas ações levaram a uma bolha no mercado imobiliário americano que acabou estourando quando pessoas e empresas começaram a dar o calote em suas dívidas em cascata. Isso acabou afetando os mercados financeiros e a economia “real” em todo o mundo.
Além disso, como vários bancos internacionais possuíam algumas dessas obrigações da dívida imobiliária, eles também foram afetados pelo não pagamento delas. Isso acabou infectando os sistemas bancários de vários países, principalmente dentro da União Europeia.
A crise da dívida da União Europeia foi uma consequência direta da crise financeira de 2008 e do problema dos países altamente endividados que começaram a ter dificuldade em refinanciar as suas dívidas soberanas desde o início da crise. Para reduzir seus deficits orçamentários e reconquistar a confiança dos mercados internacionais, alguns países da UE impuseram medidas de austeridade para reduzir seus orçamentos nacionais.
No entanto, algumas dessas medidas de austeridade atingiram a classe média nesses países com mais força, fomentando assim a animosidade contra aqueles que pareciam não ter sido afetados (ou mesmo lucrado) com a crise.
Especificamente, havia a percepção de que esses indivíduos estavam sonegando impostos ou usando subterfúgios para evitar o pagamento de sua parcela justa de impostos.
Desde então, ocorreu um aumento do populismo e do “ante-estabelecimento / globalização,” que alguns acadêmicos percebem como consequências dessas mesmas duas crises.
O Brexit (saída do Reino Unido na União Europeia), a eleição de Trump, o sucesso da campanha de Bernie Sanders (candidato social democrata Americano), e os “coletes amarelos” na França, e até a invasão do Capitólio dos Estados Unidos em 6 de Janeiro de 2021, foram vistos como “revoluções pacíficas” contra a elite.
Esses eventos desempenharam um papel essencial para pressionar governos nacionais a agir e cooperar a nível internacional para forçar as mais ricas multinacionais do mundo a pagarem mais imposto e contribuírem de uma forma mais justa com a sociedade da qual eles lucram tanto.
O fato do presidente Americano Joe Biden ser mais propenso ao multilateralismo e cooperação global para solucionar problemas mundiais, também ajudou a selar o acordo.
Agora, esse acordo será discutido com o G20, grupo das 20 maiores economias do mundo onde está países como o Brasil, China, Rússia, entre outros.
Otimização fiscal agressiva acontece no Brasil?
A resposta curta é sim! Um dos casos mais famosos de otimização fiscal agressiva é o caso da mineradora Vale acusada de ter usado filias na Suíça e Ilhas Cayman para pagar menos imposto sobre a exportação de minério.
A Vale supostamente aproveitou brechas no sistema jurídico brasileiro para sonegar mais de 23 bilhões de reais em impostos sobre as exportações de minério de ferro entre 2009 e 2015, de acordo com um relatório do IJF (Instituto de Justiça Fiscal), organização formada por economistas e auditores da Receita Federal.
A gigante da mineração inicialmente exportou o produto para seu escritório na Suíça a um preço abaixo do mercado e depois o vendeu aos países asiáticos pelo preço correto, de acordo com o relatório.
O relatório também destacou a Vale e a joint venture do Grupo BHP Samarco Mineração SA, bem como Usinas Siderúrgicas de Minas Gerais SA e Gerdau SA como exemplos de mineradoras que operam no Brasil que possuem entidades em paraísos fiscais como as Ilhas Cayman, a Virgem Britânica Ilhas, e Luxemburgo.
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