- A Ferrovia Lobito vai promover a exportações de minerais de forma mais eficiente do centro do continente para a costa;
- A visita do presidente Joe Biden a Angola foi um movimento estratégico dos EUA para competir com a influência da China na região;
- O sucesso do Corredor Lobito pode desafiar a dependência de modelos de infraestrutura chineses e promover um desenvolvimento mais sustentável.
Uma ferrovia que não apenas conectará países, mas também poderá ajudar a redefinir o equilíbrio de poder global.
Esse é o caso da Ferrovia Lobito, um ambicioso projeto financiado pelos Estados Unidos que promete transformar o transporte de recursos naturais na África e desafiar a hegemonia econômica da China na região.
Por essa razão, é importante analisar como essa ferrovia pode simbolizar a competição estratégica entre grandes potências e qual será seu impacto para os países africanos envolvidos.
O que é a Ferrovia Lobito e Qual é seu Objetivo?
A Ferrovia Lobito, um projeto estratégico que se estende por mais de 1.300 km, visa conectar o centro mineral da África, especialmente a região de Copperbelt na República Democrática do Congo (RDC) e Zâmbia, ao Porto de Lobito, na costa atlântica de Angola.
Esta ferrovia tem o potencial de promover as exportações de minerais essenciais de maneira mais eficiente, facilitando o transporte de recursos como cobre e cobalto, que são fundamentais para a produção de tecnologias verdes, como baterias de veículos elétricos.
Atualmente, a ferrovia está em construção, com algumas partes já inauguradas. Em agosto de 2023, foi inaugurada uma seção inicial, reduzindo o tempo de transporte de mais de 30 dias via rodovias precárias para apenas 6 dias via ferrovia.
A operação da ferrovia está sob responsabilidade da Lobito Atlantic Railway (LAR), um consórcio que assumiu as operações em janeiro de 2023. O projeto também inclui um investimento inicial de US$ 250 milhões, que visa modernizar trilhos, melhorar a infraestrutura de telecomunicações e expandir a frota ferroviária.
Ainda existem planos para expandir o corredor em mais 800 km até a Zâmbia, e uma proposta ambiciosa visa conectar a ferrovia ao Oceano Índico, criando uma rota ferroviária transcontinental que atravessaria Angola, Zâmbia e Tanzânia.
O impacto da ferrovia, no entanto, só será plenamente sentido quando ela estiver completamente finalizada, o que pode levar alguns anos.
O corredor será fundamental para:
– Facilitar o comércio internacional: Exportar minerais essenciais para tecnologias verdes, como baterias de veículos elétricos, para diversos mercados, como nos EUA e Europa.
– Promover o desenvolvimento local: Reduzir custos logísticos e estimular setores como agricultura e manufatura ao longo do corredor.
– Oferecer alternativas à dependência chinesa: Proporcionar um modelo de financiamento e infraestrutura mais barato e mais sustentável.
A Visita de Biden a Angola Foi uma Jogada Estratégica na Disputa com a China?
A visita do presidente Joe Biden a Angola, em novembro de 2023, marcou um ponto importante nas relações entre os Estados Unidos e a África Subsaariana.
Além de ser um gesto diplomático, essa viagem simboliza a tentativa americana de rivalizar com a influência da China no continente, especialmente através do investimento em infraestrutura estratégica, como o Corredor Lobito. Porém, com a iminente volta de Donald Trump à presidência, a continuidade desse projeto está envolta em incertezas.
A escolha de Angola para a visita presidencial teve motivos geopolíticos. Este país, historicamente influenciado pela China e pela Rússia, tem se reposicionado como um ator pragmático e multipolar sob a liderança do presidente João Lourenço.
Com suas vastas reservas de petróleo, cobalto e lítio, Angola é uma peça-chave no tabuleiro geopolítico para os EUA, que buscam alternativas ao domínio chinês no mercado de minerais essenciais para tecnologias verdes.
Mas, embora a ferrovia tenha o potencial de transformar a dinâmica econômica de Angola, RDC e Zâmbia, o impacto real disso dependerá da conclusão do projeto e da manutenção de um ambiente estável e favorável ao investimento estrangeiro.
Porquê a Volta de Trump Traz Incertezas para o Corredor Lobito?
Com Donald Trump prestes a reassumir a presidência, surgem dúvidas sobre o futuro do Corredor Lobito e outras iniciativas semelhantes.
Durante seu mandato anterior, Trump demonstrou pouco interesse pela África, priorizando políticas isolacionistas e reduzindo a presença norte-americana em várias partes do mundo.
Se Trump adotar uma abordagem mais focada na competição direta com a China, como é esperado, ele pode considerar o projeto irrelevante, já que a ferrovia também pode beneficiar empresas chinesas, uma vez que a infraestrutura será de uso multipolar.
Isso poderia levar a um redirecionamento dos recursos americanos para outras estratégias que excluam completamente a participação chinesa.
Por outro lado, alguns especialistas acreditam que o Corredor Lobito pode sobreviver a essa transição. Seu caráter de colaboração multilateral, envolvendo parceiros europeus e africanos, pode garantir a continuidade do projeto, mesmo com mudanças na política dos Estados Unidos.
Porquê o Corredor Lobito é Tão Relevante na Rivalidade EUA-China?
O projeto Belt & Road (BRI) – a Rota da Seda – da China, lançado em 2013, é uma rede global de infraestrutura que inclui ferrovias, portos, rodovias e telecomunicações. Ele abrange mais de 140 países, muitos deles na África, e visa conectar a Ásia, Europa e África por meio de rotas comerciais estratégicas.
Embora o BRI tenha proporcionado muitos avanços em infraestrutura, também gerou preocupações sobre sua viabilidade econômica. Em países como Sri Lanka e Zâmbia, empréstimos chineses com juros altos e garantias colaterais rígidas resultaram em crises de dívida.
Essas experiências levaram alguns países a reconsiderarem sua participação no BRI ou renegociarem contratos desfavoráveis.
Porém, ao contrário do modelo chinês – muitas vezes criticado por criar essas armadilhas de endividamento – o projeto liderado pelos EUA e apoiado por parceiros do G7 busca oferecer uma alternativa mais transparente e sustentável.
Além disso, o Corredor Lobito também pode trazer uma maior diversificação de mercados e um maior fortalecimento de parcerias locais, visando criar empregos e estimular o desenvolvimento econômico ao longo do corredor, abordando críticas de que a infraestrutura chinesa muitas vezes beneficia apenas os investidores estrangeiros.
Além do Corredor Lobito, outras iniciativas estão sendo planejadas para competir com o BRI, incluindo:
– Corredor LAPSSET (Lamu Port-South Sudan-Ethiopia): Uma rede de infraestrutura multimodal no leste da África.
– Projeto Transaqua: Uma proposta de canal para conectar o Lago Chade ao Congo, com apoio europeu.
– Rede Transcontinental Africana: Planos iniciais para criar uma malha ferroviária que conecte do norte ao sul do continente.
Quais São as Previsões Futuras com o Sucesso do Corredor Lobito?
Se o Corredor Lobito realmente prosperar, ele poderá se tornar um novo marco na relação entre o Ocidente e a África, pavimentando o caminho para mais investimentos em infraestrutura e tecnologia no continente.
Porém, o sucesso do projeto dependerá de vários fatores, como:
– A continuidade do financiamento: A chegada de Trump pode colocar em risco a alocação de recursos americanos para o corredor.
– O apoio local: A manutenção e expansão da ferrovia exigem políticas consistentes dos governos africanos.
– Os Interesses geopolíticos concorrentes: A presença de empresas chinesas e ocidentais no projeto pode gerar tensões ou, paradoxalmente, criar um ambiente de cooperação multipolar.
Além disso, a ferrovia se torna um ativo estratégico, conectando essas riquezas minerais aos mercados globais em um momento em que a demanda por eles cresce exponencialmente, devido a busca pela transição energética.
Como já mencionado, minerais como cobalto e lítio, são fundamentais para a fabricação de baterias para veículos elétricos e armazenamento de energia renovável.
Esse protagonismo pode colocar a África Austral em uma posição inédita de barganha na geopolítica global. A região pode negociar melhores acordos de exportação e até mesmo atrair investimentos em processamento local para exportar produtos de maior valor agregado, reduzindo sua dependência da exportação de matérias-primas simples.
Por outro lado, a dependência dos minerais africanos para a transição energética cria um cenário delicado: enquanto países como os EUA e a China buscam garantir acesso a esses recursos, governos africanos precisarão equilibrar parcerias externas sem comprometer seus interesses de longo prazo.
A capacidade do projeto de sobreviver a mudanças políticas nos Estados Unidos e de atrair investimento sustentável dependerá de sua eficiência em promover benefícios reais para os países africanos.
Caso Angola, RDC e Zâmbia consigam utilizar o corredor como uma ferramenta de desenvolvimento local, fortalecendo suas indústrias e exportações, o impacto poderá ser duradouro.
Para os EUA, o Corredor Lobito pode representar uma chance de construir uma relação mais equitativa e estratégica com a África, rivalizando com a China em um modelo que priorize cooperação multilateral e benefícios mútuos.
No entanto, essa ambição dependerá de consistência política e de um compromisso genuíno com o desenvolvimento africano, algo que o futuro governo americano precisará demonstrar para consolidar esse marco na relação entre o Ocidente e o continente africano.
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