- A ESSI surgiu como resposta à necessidade de fortalecer a defesa aérea na Europa;
- A escalada dos ataques de Moscou a Kiev motivou os países vizinhos e aliados a fortalecer em suas capacidades de defesa e cooperação em segurança;
- A formação dessa aliança coloca em risco estratégia do MAD (Destruição Mútua Assegurada, na sigla em inglês), da época da Guerra Fria.
À medida que as ameaças aéreas se tornam cada vez mais complexas e desafiadoras, a criação da “Iniciativa Europeia de Escudo Aéreo” liderada pela Alemanha assume uma importância geopolítica significativa na proteção da Europa contra mísseis balísticos, de cruzeiro ou até drones de longa distância.
A criação da ESSI foi incentivada pela escalada da guerra na Ucrânia, despertando a preocupação de outros países europeus em relação à sua própria segurança
Diante desses desafios, é fundamental encontrar um equilíbrio entre a cooperação internacional e a segurança europeia para garantir a defesa eficaz do espaço aéreo europeu e a proteção dos países contra ameaças aéreas.
O que é o European Sky Shield Initiative – ESSI – “Iniciativa Europeia de Escudo Aéreo”
A European Sky Shield Initiative (ESSI) é uma iniciativa liderada pela Alemanha e outros países europeus, que busca fortalecer a defesa aérea e a segurança do espaço aéreo europeu.
Lançada em agosto de 2022, a ESSI surgiu como resposta à necessidade de fortalecer a defesa aérea na Europa e concentrar os esforços nessa área. Seu objetivo é promover a cooperação e a interoperabilidade dos sistemas de defesa antiaéreos dos países participantes, visando uma defesa eficaz contra ameaças aéreas.
Além disso, a iniciativa busca melhorar a vigilância, o monitoramento e o controle do espaço aéreo europeu, bem como a capacidade de resposta a possíveis ataques ou ameaças, por meio do uso de tecnologias avançadas, sistemas de defesa aérea integrados e aprimoramento da coordenação entre as forças aéreas dos países envolvidos.
Portanto, a iniciativa foi projetada para promover uma defesa coletiva e compartilhada do espaço aéreo europeu, permitindo uma resposta mais eficiente em situações de crise ou ameaça.
A criação da ESSI no contexto da guerra na Ucrânia
A ofensiva militar violenta da Rússia, levou outros países europeus a se preocuparem com sua própria segurança. Os constantes e quase diários ataques de mísseis de Moscou contra o território da Ucrânia motivou os países vizinhos e aliados a fortalecer suas capacidades de defesa e cooperação em segurança e defesa aérea para tentar interceptar mísseis e drones em potenciais ataques militares futuros como esses de Moscou.
A assinatura da carta de intenções para adesão à ESSI em outubro de 2022 contou com a presença do vice-secretário-geral da OTAN, Mircea Geoană, que destacou a importância do compromisso diante dos ataques indiscriminados da Rússia, ressaltando a liderança da Alemanha no lançamento da Iniciativa.
Destacou também que a iniciativa irá alavancar a estrutura de cooperação da OTAN já existente para defender os Estados membros contra ameaças de mísseis, proporcionando ativos interoperáveis e integrados ao sistema de defesa aérea e antimísseis da aliança.
Como países “neutros” como a Suíça e a Áustria estão querendo participar da iniciativa militar de defesa
A Suíça e a Áustria, dois países conhecidos por sua política de neutralidade, estão enfrentando desafios no cenário geopolítico atual devido ao conflito Ucraniano que ocorre não longe de suas fronteiras.
A Suíça tem como uma de suas características distintivas o status de “neutro”, que foi estabelecido no Tratado de Paris em 1815.
A política de neutralidade da Suíça é fundamentada no princípio de não envolvimento em conflitos armados entre outros estados. Isso significa que o país não permite que seu território seja usado para fins de guerra por outros países.
No entanto, a atual guerra entre a Rússia e a Ucrânia, que ocorre no coração da Europa, levantou questões sobre a viabilidade da manutenção de sua neutralidade tradicional.
A participação da Suíça na Iniciativa Europeia indica um movimento em direção a uma abordagem mais cooperativa de segurança coletiva.
Embora a Suíça não seja membro da OTAN, que exige ação e assistência mútuas em tempos de guerra, há um debate interno em andamento sobre o papel do país na proteção de sua própria segurança em um contexto geopolítico em constante mudança.
Um exemplo disso, foi em março de 2023, quando a Alemanha solicitou à Suíça a venda de tanques Leopard 2 para aumentar o apoio militar à Ucrânia. No entanto, a Suíça recusou a oferta.
Essa decisão reflete a delicada posição da Suíça em relação à sua neutralidade, mas também destaca que o país tomou medidas que vão além dos princípios tradicionais de neutralidade.
Isso pode ser exemplificado pela aderência da Suíça a muitas das sanções da União Europeia contra Rússia, mesmo que o país alpino não faça parte da UE em si.
A Áustria, outro país conhecido por sua política de neutralidade, também está enfrentando um teste em sua política externa.
O primeiro-ministro austríaco, Karl Nehammer, afirmou que é necessário tomar precauções para proteger o país contra o risco de ataques de drones e mísseis, uma ameaça que aumentou consideravelmente.
Embora a Áustria seja membro da União Europeia desde 1995, o governo enfatiza que essa decisão não compromete sua neutralidade. Já a Ministra austríaca da Defesa, Klaudia Tanner, considerou esse movimento como um passo importante na história do país.
Portanto, a participação desses países na ESSI, com abertura para colaborar com outras nações na área de defesa, demostram uma resposta pragmática diante das necessidades de uma segurança em evolução e uma quebra de paradigma no sistema de segurança Europeu da qual vamos falar mais abaixo.
O debate sobre a origem do sistemas de mísseis antiaéreos: somente sistemas Europeus ou também sistemas Americanos como o Patriot
À medida que os mísseis e drones continuam a aterrorizar as cidades ucranianas, os líderes europeus se encontram em um debate acalorado sobre os melhores sistemas de defesa antiaéreos para proteger seus próprios países contra futuros ataques aéreos russos.
Duas linhas de pensamento, lideradas pela França e pela Alemanha emergiram, cada uma com sua visão distinta sobre os melhores equipamentos, sistemas e prazos para o desenvolvimento.
A Alemanha argumenta que é mais eficiente investir em sistemas anti-mísseis já testadas e comprovadas, como os fabricados nos Estados Unidos, Israel e, é claro, na Alemanha. Eles acreditam que essas opções oferecem um caminho mais rápido para fortalecer as capacidades de defesa aérea.
Essa abordagem, liderada por Berlim, irritou o presidente francês Emmanuel Macron, que viu a dependência a armas não europeias, como os mísseis Raytheon Patriot dos EUA de alcance médio e o sistema Arrow-3 da Israel Aerospace Industries para interceptação de longo alcance, como uma ameaça ao conceito de autonomia estratégica europeia que ele buscava alcançar.
Macron argumenta que é crucial dar prioridade à tecnologia desenvolvida dentro da própria Europa, incluindo o sistema de defesa aérea franco-italiano MAMBA.
Nessa disputa, outras nações europeias, como Bélgica, Hungria, Itália e Estônia, têm mostrado apoio à abordagem francesa e estão prontas para adotar o sistema europeu.
É evidente que o interesse da indústria bélica francesa desempenha um papel significativo nesse contexto, já que Macron defende a necessidade de impulsionar a indústria de armas europeia, incluindo a indústria francesa, a fim de garantir a autonomia estratégica do continente.
Bem como, a Agência Europeia de Defesa (EDA) e a Unidade de Desenvolvimento Europeia (EDU) que estão envolvidas no processo de desenvolvimento e coordenação desses sistemas de defesa aérea europeus.
Contudo, enquanto a França e a Alemanha travam uma batalha ideológica sobre a origem dos sistemas de defesa aérea, alguns especialistas argumentam que é fundamental garantir que todos os sistemas possam funcionar de forma harmoniosa e coordenada na prática.
A cooperação e a interoperabilidade entre os diferentes sistemas são essenciais para enfrentar as ameaças aéreas e maximizar a eficácia da defesa coletiva da Europa.
Israel também desempenha um papel relevante nesse contexto, fornecendo tecnologia e sistemas de defesa aérea avançados. Seus sistemas anti-mísseis têm sido objeto de admiração pela sua eficiência, e a Alemanha está considerando sua aquisição para fortalecer suas capacidades de defesa.
Entretanto, a busca por uma defesa aérea eficaz requer um equilíbrio cuidadoso entre a adoção de tecnologias já comprovadas e o desenvolvimento de capacidades autônomas dentro da Europa.
Enquanto os líderes europeus continuam a discussão sobre a melhor abordagem, o objetivo final é garantir a segurança e a proteção dos países europeus contra ameaças aéreas, a fim de fortalecer a cooperação entre as nações e a indústria de defesa do continente.
A importância geopolítica de formar uma aliança de defesa anti-mísseis Europeia com países fora da OTAN e da União Europeia
No contexto geopolítico atual, a formação de uma aliança de defesa antimísseis europeia, desempenha um papel crucial na segurança e estabilidade da região.
O sistema poderá interceptar mísseis aéreos, tanto convencionais quanto nucleares, e estabelecer uma defesa eficaz contra possíveis ameaças provenientes de países como Rússia, Irã e China.
No entanto, essa abordagem geopolítica traz consigo tanto benefícios quanto riscos que precisam ser considerados.
Uma teoria que pode ser quebrada com a formação dessa aliança é a estratégia do MAD (Destruição Mútua Assegurada, na sigla em inglês), que remonta à época da Guerra Fria.
Essa doutrina implica que, se um país lançar um ataque nuclear contra outro, este último será capaz de retaliar com uma resposta igualmente devastadora, resultando na destruição de ambos. Portanto, a estratégia tem funcionado desde o pós 2º Guerra Mundial, onde ambos estão tentando evitar a pior das consequências: a aniquilação nuclear.
Contudo, se um país ou um bloco é portador de um sistema anti-mísseis, é possível que haja uma quebra do sistema de Destruição Mútua assegurada, já que a destruição não é mais assegurada. Se um país possui tamanha defesa aérea, isso aumenta o risco de um segundo país – possuidor de armas nucleares – de usar essas armas.
Mas ao mesmo tempo, seria quase impossível, no momento presente, que um pais nuclear tenha um sistema de mísseis tão eficiente, que seria capaz de interceptar 100% de todos os mísseis nucleares de uma contra ataque, cobrindo toda a Tríade Nuclear. Especialmente, aqueles lançados por submarinos nucleares que são ainda mais difíceis de localizar e conhecidos como SLBM’s, na sigla em inglês.
Sob análise, em um futuro próximo, é possível que países com tecnologia de ponta e que investem fortemente em defesa possam vislumbrar um futuro “super sistema antimísseis” usando a Inteligência Artificial (IA) e criando um super escudo que proteja 100% um país ou região. Essa tecnologia elevaria potencialmente os sistemas de defesa de forma global e impactaria fortemente a MAD e a geopolítica.
No entanto, atualmente, ao enviar uma mensagem clara de que os mísseis inimigos serão interceptados em território europeu, existe a possibilidade de que países como a Rússia escolham arriscar o uso de mísseis nucleares em uma situação de guerra.
O maior risco dessa hipótese é a falta de garantias de sucesso na interceptação de todos os mísseis recebidos. Mesmo que alguns mísseis nucleares sejam interceptados, a explosão resultante e os resíduos gerados podem causar danos significativos e consequências graves.
Portanto, a formação dessa aliança de defesa antimísseis europeia requer uma abordagem cuidadosa.
A outra importância geopolítica do desenvolvimento do ESSI é a quebra de paradigma no sistema de segurança europeu.
Essa quebra de paradigma causada pela agressão Russa contra a Ucrânia levou 4 países Europeus que anteriormente eram neutros a se alinhar legalmente ou de facto a outros países em sua segurança. A Finlândia e a Suécia buscando uma associação legal com a OTAN e a Suíça e a Áustria com o Escudo Aéreo Europeu.
A ESSI é uma um exemplo de como a invasão da Ucrânia pela Rússia foi uma grande derrota estratégica de Moscou que visava a dividir o continente Europeu e fracassou. Agora é ver se essa derrota estratégica de Putin na Ucrânia vai se unir a uma derrota militar também.