No dia 24 de Fevereiro de 2022, Vladimir Putin declarou a invasão das tropas russas na Ucrânia, defendendo uma “desnazificação” das forças militares ucranianas e defesa das áreas independentes na região de Donbas. Este ato movimentou uma reunião e resolução da ONU contra a invasão, o que exigiu uma resposta de cada país membro e suas posições no conflito, que não se resume à Rússia e à Ucrânia mas que envolve os Estados Unidos, a OTAN, a União Europeia e países vizinhos.
O Ministro da Defesa do Reino Unido declarou que Putin foi um “completo tonto”, inconsequente e que não possui aliados que apoiem a posição da Rússia internacionalmente. Mas a realidade é que a Rússia possui um certo número de laços que permitem uma segurança comercial e política, principalmente pelas relações de dependência que vêm sendo construídas dentro da agenda russa com os outros países do Oriente Médio, da Eurásia e América Latina.
A resolução da ONU e os posicionamentos gerais dos países
No dia 02 de Março de 2022, a Assembleia Geral da ONU passou uma resolução internacional condenando a Rússia e a invasão militar em território ucraniano.
A reunião de 181 países contou com aprovação da resolução por 141 países, incluindo os EUA; 35 se abstiveram, como a China, Índia, Irã e Cuba; e a Rússia, Bielorússia, Eritreia, Coreia do Norte e Síria votaram contra.
Essa resolução não possui nenhuma condenação concreta e poder execução, mas expõe as posições dos países sobre o conflito armado e representa uma unidade internacional majoritária. Ainda assim, o entendimento da situação não deve se basear somente nisso, já que as implicações vão além do que foi dito na ONU.
Por exemplo, uma semana antes de Putin declarar a invasão à Ucrânia houve a visita e reunião com o presidente brasileiro Jair Bolsonaro. As tensões no Leste Europeu já estavam presentes e o presidente havia afirmado apoio aos posicionamentos de Putin, fortalecendo a sua ideologia de extrema-direita. Ainda assim, o Brasil votou a favor da resolução da ONU.
Outra posição ambígua demonstrada através de visitas, foi a presença do primeiro-ministro do Paquistão para uma reunião de comitiva. Mesmo dizendo que não havia nada relacionado à Ucrânia em discussão mas sim a construção de um gasoduto russo no Paquistão, o primeiro-ministro Imran Khan falou à TV russa que esperava uma resolução do conflito, se mantendo a comentários superficiais. Na reunião da ONU, o país se absteve.
Enquanto isso, nas cadeiras principais do Ocidente na Casa Branca e na União Europeia, há o posicionamento firme contra a Rússia com a implementação de diversas sanções contra o país e afetando as economias dos oligarcas próximos ao Kremlin.
Essa divisão entre as principais hegemonias mundiais que ditam o posicionamento dos países, a ambiguidade do Brasil e do Paquistão, por exemplo, vem pelos laços com ambos atores. A Rússia e os Estados Unidos possuem relações de dependência com outros países, ambos cobrando posicionamentos favoráveis a si.
Como a Rússia vem construindo as suas relações internacionais
Vladimir Putin é um autocrata que governa de forma solitária a Rússia, mantendo as relações de poder com outros países mas sem um grande aliado “fiel”.
Os relacionamentos russos com as nações do Oriente Médio e a América Latina contra as intervenções dos Estados Unidos e da OTAN permitiu um tensionamento das forças geopolíticas e do conflito entre democracias e autocracias que Putin defende.
O fornecimento de equipamentos militares e apoio político-econômico também estabelece uma relação de dependência de outros países com a Rússia, como o apoio russo à Síria contra conflitos regionais em 2015 que foi essencial para mudar a maré do guerra.
O Kremilin e sua comitiva diplomática estão nessa empreitada de construir essas relações com base na dependência pois sabem que essa posição permite uma cobrança de “lealdade” em momentos como o atual entre a Rússia e a Ucrânia.
Porém, esta lealdade não é necessariamente por conta da aliança em si, mas sim pela falta que o fornecimento/apoio russo, seja militar ou econômico, pode fazer aos países. Entre apoiar um conflito militar ou enfraquecer sua segurança nacional estando vulnerável como na Síria ou Venezuela, os líderes escolhem apoiar as tensões.
Quem são os países que apoiam Putin ou estão neutros no conflito
Mesmo visando uma base de apoio dos países que já possuíam relações com a Rússia, isso não é tão fácil de ser observado na realidade. Diversos países possuem um posicionamento dúbio, e poucos são os que já apoiaram abertamente as ações do presidente Putin.
- China:
O presidente chinês Xi Jinping e o russo Vladimir Putin vem estreitando os laços entre os países nos últimos anos. O Ministro das Relações Exteriores da China que estava fazendo os principais posicionamentos sobre os conflitos na Ucrânia, não havendo posicionamento direto de Xi Jinping até a segunda-feira, 07 de Março de 2022.
A China declarou que defende a soberania nacional e independente de todos os países, mas nunca chegou a chamar de invasão o avanço militar russo. Neste pronunciamento, inclusive, o país asiático chegou a dizer que a Rússia possuía “preocupações legítimas de segurança” que “devem ser levadas a sério e tratadas adequadamente”.
Os dois líderes autocráticos chegaram a se encontrar dias antes do início do combate, nos Jogos Olímpicos de Inverno em Pequim. Este encontro gerou uma declaração conjunta de uma relação estratégica contra os Estados Unidos e reconhecendo a expansão da OTAN enquanto uma política baseada nas ideologias já ultrapassadas da Guerra Fria, contra o crescimento das duas potências.
Na última declaração de Xi Jinping, em reunião por videochamada com o presidente francês Emmanuel Macron, a posição chinesa mudou levemente. O presidente disse que a China está “angustiada de ver as chamas da guerra reacender na Europa” e pediu “máxima contenção” na Ucrânia. Mesmo se colocando mais veementemente contra o conflito, não se posicionou completamente contra o líder russo.
A questão da China é complicada pois um posicionamento favorável a Moscou pode dar mais força ao avanço da Rússia, já que é um dos principais atores econômicos atuais e já se mostrou em conjunto com Putin em outras situações.
- Bielorrússia:
A Bielorrússia é um dos principais aliados declarados da Rússia historicamente. A OTSC é uma das bases que garante o apoio às ações de Putin, já que o país é o líder da organização e possui uma cooperação militar com os Estados-membros, onde a Belarus é um dos participantes.
O país possui fronteira tanto com a Rússia quanto com a Ucrânia, foi a sede dos exercícios militares de mais de 30 mil soldados russos e está servindo como uma das rotas principais de acesso das tropas russas à Ucrânia. Sendo assim, é possível dizer que a Bielorrússia é o principal aliado da Rússia neste conflito e inclusive cúmplice de possíveis crimes de guerra.
- Cazaquistão:
O Cazaquistão é um dos Estados-membros da OTSC também, em Janeiro de 2022 a OTSC defendeu o governo cazaquistanês contra protestos populares, o que garantiu uma posição de “dívida” com a Rússia.
O país é um dos principais exportadores e tem grandes reservas de petróleo, possuir um país como este em posição de subordinação tem grande importância geopolítica. Contudo, isso não garantiu o apoio completo do Cazaquistão, já que o país está receoso com a desvalorização da sua moeda. Dentro da OTSC outros países também estão cautelosos com os pedidos de apoio russo, como o Quirguistão e o Tajiquistão.
Na resolução da ONU, o Cazaquistão se absteve e de acordo com notícias, negou o pedido Russo de mandar tropas do Cazaquistão para apoiar o Kremlin na Ucrânia. Porém, é ainda um aliado Russo que possui bases militares e de lançamento de foguetes Russos em seu território, como a Base de lançamento de Baikonur.
- Irã:
O Irã possui declarações mistas, se opondo a guerra mas se posicionando contra a OTAN e os EUA, assim como a China. O país já sofreu ataques originados dos Estados Unidos e não possui relações com a potência americana desde 1979 com a Revolução Iraniana.
No dia 24 de Fevereiro de 2022, no dia que Putin declarou a invasão à Ucrânia, o presidente iraniano Ebrahim Raisi teve reunião por videochamada com o Kremlin e declarou:
“A expansão da OTAN para o leste cria tensão e é uma séria ameaça à estabilidade e segurança de Estados independentes em várias áreas”, disse Raisi após o ataque militar da Rússia à Ucrânia. “Espero que o que está acontecendo beneficie os povos e toda a região”, completou.
CNN Brasil
- Síria:
A Síria se posicionou a favor do reconhecimento russo das áreas independentes no Leste ucraniano em Donbas. A aliança entre Putin e o presidente Bashar al-Assad existe desde 2011 com o apoio de Moscou ao governo sírio contra os protestos da guerra civil, onde fizeram ataques aéreos em 2015 para controlar os protestantes populares o que foi essencial para manter Assad no poder.
Além disso, o país também sofreu ataques americanos durante a sua guerra civil e vê os posicionamentos do Ocidente contra a Rússia como uma repetição do que viveram. Sendo assim, o governo de Assad é um dos principais aliados da Rússia no mundo e já ofereceu mais de 12 mil combatentes Sírios para apoiar a Rússia na Ucrânia.
- Paquistão:
Seguindo sua agenda de aproximação com a Ásia para a formação de um bloco conciso, a Rússia vem se aproximando do Paquistão economicamente. Com investimento de US$2.5 bilhões, a construção de um gasoduto paquistanês permitirá uma maior independência e crescimento econômico para o país. Para a Rússia, com a negação recente do Nord-Stream 2 na Alemanha, este projeto permitirá um fortalecimento das relações econômicas com os países vizinhos da Eurásia. Este investimento faz parte de um projeto de US$14 bilhões vindos da Rússia para o setor de energia do Paquistão, além dos acordos do país com a “Belt & Road Initiative” da China.
Com as relações instáveis com a Índia e os conflitos no Afeganistão afetando sua economia, o objetivo paquistanês é consolidar a sua conexão com a China e a Rússia para obter maior estabilidade e segurança nacional.
Como os acordos ainda estão transcorrendo, o Paquistão se absteve da votação da ONU, já que não poderia ir contra um país que está com bilhões investidos na base da sua economia.
- Índia:
A Índia e a Rússia possuem um relacionamento de interesse, no qual o suprimento de armamentos como os mísseis S-400 de defesa antiaérea vindos de Moscou permitem o desenvolvimento militar indiano. Porém, a Índia possui relações estremecidas com a China e outros aliados comerciais russos, como o Paquistão.
Ainda assim, o Ministro das Relações Exteriores indiano, horas após o anúncio da invasão, já deixou claro a posição indiana enquanto um país neutro. Nenhuma autoridade indiana chegou a condenar os ataques à Ucrânia, mas se colocou a favor do cessar-fogo e defendeu um diálogo diplomático entre Moscou e Kiev.
Por conta das associações históricas com a URSS e atualmente com a dependência com as relações econômicas com a Rússia, e ao mesmo tempo a reação conflituosa com a China, o país se absteve na ONU.
- Brasil:
O Brasil sempre teve uma aliança profunda com os Estados Unidos, porém com o atual governo do presidente Jair Bolsonaro e o seu afastamento ideológico à Joe Biden, houve uma aproximação com o rival dos americanos: Vladimir Putin. A visita à Rússia sofreu pressões vindas da Casa Branca para o seu cancelamento, porém se a comitiva brasileira cedesse aos EUA o cenário internacional veria o Brasil enquanto um “mascote dos Estados Unidos”.
O Brasil se encontra excluído diplomaticamente pelas políticas implementadas neste governo e ataques às grandes economias como aos EUA, China, e União Europeia, tendo somente a Rússia como um pseudo-aliado já que ambos também fazem parte dos BRICS. Mesmo assim, as relações comerciais com os russos não possuem uma importância econômica material ao Brasil, já que o principal produto que exportam são fertilizantes e estes representam somente cerca de 0,74% das exportações brasileiras.
Com a aprovação mais baixa da história da política brasileira, a ida de Bolsonaro à Rússia foi mais um ato representativo de grandeza e da sua ideologia autocrática em favor de “homens fortes.” Oficialmente, a visita tinha como objetivo falar sobre investimentos russos em hidrocarbonetos e infraestrutura no território brasileiro. Mas Putin não foi o único autocrata que Bolsonaro visitou no início deste ano, seguindo diretamente de Moscou para a Hungria.
As declarações ambíguas diplomaticamente se dão por essa distância entre a agenda política de Bolsonaro e a esfera das relações econômicas com os outros países. Então, mesmo declarando apoio a Putin durante sua visita ao país, o Brasil votou a favor da resolução da ONU contra a Rússia.
- Venezuela:
O presidente Nicolás Maduro declarou apoio à Rússia, antes e após a invasão direta na Ucrânia. A Rússia é um parceiro comercial importante para a Venezuela, sendo um dos principais fornecedores de armamentos para as forças militares venezuelanas, desde caças e tanques até fuzis, possuindo uma relação estratégica.
Ambos se juntam contra a hegemonia estadunidense e a expansão da OTAN, o embaixador venezuelano na ONU disse que o conflito na Ucrânia se agravou pelas pressões dos bloqueios militares da OTAN. Além disso, o presidente Maduro afirmou em seu Twitter que tem “certeza de que a Rússia sairá dessa batalha unida e vitoriosa” e declarou “todo o apoio ao presidente Putin e seu povo”, dizendo que a OTAN está cercando e planejando um ataque à Rússia mas sem apresentar provas desta acusação.
Por mais que se posicionaram na reunião da ONU, eles se abstiveram na resolução.
- Cuba:
Cuba e a União Soviética possuíam relações profundas de cooperação e Putin mantém uma cordialidade com o país latino americano. A Rússia se posiciona contra o bloqueio econômico estadunidense em Cuba, e com o cenário atual de diversas sanções na economia russa, Cuba retribuiu o apoio.
Após a invasão à Ucrânia, o governo cubano emitiu nota em que não menciona diretamente os russos mas sim direcionando críticas aos EUA por impor “a expansão progressiva da OTAN em direção às fronteiras da Federação Russa”. A Reuters noticiou que esta nota foi emitida após um acordo com Putin para adiamento do pagamento das dívidas cubanas até 2027.
“O governo dos EUA vem ameaçando a Rússia há semanas e manipulando a comunidade internacional sobre os perigos de uma ‘invasão maciça iminente’ da Ucrânia. Os EUA forneceram armas e tecnologia militar, enviaram tropas para vários países da região, aplicaram sanções unilaterais e injustas e ameaçaram com outras represálias”, diz a nota de Cuba.
BBC News
“Cuba rejeita essa hipocrisia e esse duplo padrão na postura da Otan. Em 1999, houve uma agressão à Iugoslávia e os países da Europa não evitaram a grande perda de vidas por razões geopolíticas. Os Estados Unidos usaram a força em várias ocasiões em países soberanos para alterar regimes, interferindo na política interna de outros países”
Embaixador de Cuba na ONU, CNN Brasil
O país se absteve na votação da resolução da ONU contra a Rússia, mas defendeu um diálogo diplomático para o conflito.
Existem outros atores que também estão nessa posição neutra, como a própria União Africana dos 55 países do continente se posicionou; além de outros que estão favoráveis às ações de Putin, como a Nicarágua que foi o primeiro país a se posicionar a favor.
A política é feita por interesses, de poder, econômico, social e etc, e o grande objetivo de Putin de fortalecer os “fracos” e “excluídos” do jogo hegemônico é o que garante as relações políticas que seguram o fim da Rússia internacionalmente.
E qual a futura tendência das alianças Russas…
Mesmo tendo alguns aliados ou países neutros em relação à Rússia, fica claro que o Kremlin está quase totalmente isolado mundialmente. Entre os quase 200 países no mundo, pouquíssimos se mostraram abertamente a favor da invasão Russa, como visto acima.
Isso é importante porque mostra uma unidade das democracias liberais do mundo e até de algumas autocracias que vêm a invasão Russa como um quebra das leis e costumes internacionais estabelecidos desde o fim da Segunda Guerra Mundial.
Além disso, essa aliança de países contra a invasão Russa entende que conflitos armados de grande escala tende a prejudicar o comércio mundial e assim suas próprias economias nacionais.
Com a invasão, a Rússia virou pária internacional, se isolando cada vez mais do mundo globalizado e liberal e afugentando investidores e cérebros. As colossais sanções econômicas mundiais contra a Rússia só vão contribuir para esse processo. Uma nova “Idade das Trevas” está se instaurando sobre a Rússia. Os seus atuais aliados e apaziguadores deveriam se afastar para não afundarem juntos.