Os marcos regulatórios são um conjunto de normas, leis e diretrizes que regulam o funcionamento dos setores nos quais as empresas privadas prestam serviços de utilidade pública – temos como exemplo as companhias de telefonia, as companhias do setor elétrico e até mesmo do setor hidráulico.
Essas normas são responsáveis pela criação de um ambiente que concilie a saúde econômico-financeira das empresas com as exigências e as expectativas do mercado consumidor.
Trazendo o termo para o meio geopolítico, há um processo de globalização de regulamentações e padrões em andamento, e a União Europeia está de uma certa forma causando uma regulamentação unilateral apesar de não ser de jure – o que significa que essas práticas não são legalmente reconhecidas, independentemente da prática existir na realidade – externalizando suas leis fora de suas fronteiras por meio dos mecanismos de mercado.
Em alguns setores do meio acadêmico, os debates sobre os poderes relativos e a influência das instituições da União Europeia, se tornou comum sugerir que a Comissão Europeia está em declínio, especialmente no caso dos defensores do “novo intergovernamentalismo”, que bate de frente com o “supranacionalismo”.
No intergovernamentalismo,os governos não abrem mão da sua soberania decisória, então negociam e aprovam (ou não) as decisões através de instituições nacionais. Em contrapartida, as instituições supranacionais constituem um nível acima dos Estados que estão colaborando de alguma forma – seja na área política, econômica ou militar –, não dependendo então das estruturas nacionais para uma decisão.
O termo “Efeito Bruxelas” vai contra essa opinião de fraqueza da UE. Criado pela autora finlandesa-americana, Anu Bradford, professora de Direito na Universidade de Columbia e especialista em Direito Comercial Internacional, o “Efeito Bruxelas” diz que a União Europeia (UE) não é uma potência mundial em declínio, mas o contrário.
O que é o “Efeito Bruxelas” na produção e disseminação de regulamentos que se tornam mundiais?
Anu Bradford, autora do livro “O Efeito Bruxelas: Como a União Europeia governa o mundo”, defende que, apesar dos muitos desafios do bloco, a UE continua sendo uma superpotência influente que molda o mundo de acordo com seus próprios atributos através do fenômeno que ela denominou “Efeito Bruxelas”.
O Efeito Bruxelas diz respeito ao poder unilateral da União Europeia de regular os mercados globais de uma forma indireta, e não através de instituições internacionais ou pela busca de apoio de outras nações fora da União.
Segundo Bradford, a UE tem a capacidade singular de declarar regulamentos que moldam o âmbito de negócios global, entre os países atuais e, consequentemente, elevar os padrões mundiais, levando a uma notável europeização de muitas questões importantes do comércio internacional.
Essa capacidade se estende aos padrões na política de concorrência, proteção ambiental, segurança alimentar, proteção da privacidade ou regulamentação do discurso de ódio nas mídias sociais.
Como a União Europeia consegue influenciar o resto do mundo com suas políticas e normas?
Através da adoção de regulamentos em conformidade com a UE por governos estrangeiros. Isso pode ser o resultado do lobby de empresas locais que já se adaptaram às normativas e padrões da união, entretanto para as jurisdições exteriores existe um conjunto mais amplo de mecanismos para que as regras sejam disseminadas.
De acordo com Bradford, o melhor caminho para conquistar a confiança de seus consumidores, as empresas do mundo inteiro podem se submeter às normas e valores da UE de forma implícita. Normas essas são, geralmente, bem produzidas e aplicadas através de um processo legislativo apropriado.
O mais interessante sobre o Efeito unilateral de Bruxelas é que, ao contrário de outros fenômenos, este se caracteriza como pacífico e silencioso.
Então, a UE não tem a necessidade de coagir governos e as empresas privadas, porque os incentivos do mercado os levam a aderir essas normas.
Ao contrário dos meios tradicionais de influência internacional, como por exemplo as sanções econômicas, o poder regulatório é uma das poucas áreas em que o unilateralismo atua de forma efetiva.
Bradford também acredita que as regras da UE detém um “padrão ouro”, pois os valores europeus têm um amplo apelo, e quando se trata de ideias sobre a regulamentação da tecnologia, ou até a atenuação das mudanças climáticas, os demais países costumam se espelhar e seguir.
Exemplos de políticas e padrões Europeus que influenciaram regulamentos e diretrizes em outras partes do mundo
O Efeito Bruxelas se manifesta quando as empresas concluem que convém seguir uma conduta ou padrão de produção homogêneo, em lugar de fazer o uso de regulamentos mais baixos em outros mercados.
Esse fenômeno fica evidente na indústria de tecnologia, onde se observa que, atualmente, as empresas almejam ser percebidas como alinhadas aos valores incorporados nas regras da UE.
Bradford afirma testemunhar mais de 100 países que fazem uso das normas de privacidade de dados baseadas no GDPR (Regulamento Geral de Proteção de Dados), na atualidade.
Segundo ela, o “paternalismo digital da UE oferece uma terceira maneira equilibrada de regulação entre o ‘tecnolibertarianismo americano’ e o ‘autoritarismo digital da China‘.”
Por esse motivo, essas empresas não aderem às regras chinesas mais rigorosas sobre liberdade de expressão on-line, por exemplo. De igual maneira, o tecnolibertarismo, predominante nos Estados Unidos da América, está sendo visto como obsoleto. Por outro lado, o autoritarismo digital chinês é considerado inaceitável.
A futura tendência da capacidade de União Europeia em influenciar políticas e normas pelo mundo
Segundo Anu Bradford, as empresas têm o objetivo de manter uma marca global uniforme. Dessa forma, as empresas têm a possibilidade de apresentar aos mercados e aos seus consumidores um importante sinal de confiabilidade ao se associar aos altos padrões nas diversas áreas de regulamentação.
As possibilidades são diversas para as empresas, seja listando seu negócio em uma bolsa de valores que tem como requisitos rigorosos relatórios ou acatando os altos padrões ambientais, de direitos humanos e trabalhistas.
Consequentemente, as empresas aderentes às normas da União Europeia, podem ratificar a sua juridicidade, alcançar uma maior reputação e conquistar consumidores cujos valores podem entusiasmar o comportamento de seus clientes.
Portanto, pode-se concluir que além da grande influência política e militar da União Europeia, observa-se que de forma discreta e natural, o poder de persuasão da união, no âmbito dos marcos regulatórios, se mostra crescente, ao contrário do que parte de políticos e acadêmicos possam afirmar.
A tendência aponta para uma difusão das normativas regulatórias à nível global, em especial – mas não somente – por empresas privadas, reforçando e expandindo, ainda mais, o soft power da União Europeia.
E com uma maior integração da União em um grande ramo de áreas políticas e econômicas (como fiscal e de saúde), a tendência é que a UE produza ainda mais regulamentações e padrões regionais que podem vir a se tornar globais. Sendo assim, a influência da UE como ditadora de normas e padrões mundiais só tende a aumentar com a maior integração do bloco.