Desde Outubro de 2017, a província litoral de Moçambique, Cabo Delgado, está sofrendo com a insurgência armada de uma filial do Estado Islâmico (ISIS) e seus grupos correlatos.
Cerca de 24 países, como a Ruanda, e diversos atores internacionais, como a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC, em inglês), vêm enviando tropas desde julho de 2021 para conter o avanço desse conflito armada.
Mesmo com certo sucesso na pacificação do distrito de Cabo Delgado, há a crescente presença do ISIS em outras regiões vizinhas e o conflito está longe de acabar.
A província de Cabo Delgado em Moçambique: rica em recursos naturais e pobre em distribuição dessas riquesas
A região descobriu grandes reservas de gás natural e já possui cerca de 60 bilhões de dólares investidos em projetos internacionais de exploração dessas reservas, como por exemplo o projeto da empresa francesa Total para LNG.
Moçambique já foi campo de diversos conflitos, desde a sua guerra por independência de Portugal em 1974 até conflitos indiretos (“guerra por procuração”, “proxy war“) entre os Estados Unidos e a União Soviética durante a Guerra Fria.
Seus recursos naturais vem atraindo o interesse comercial dos atores ocidentais, como EUA e a União Europeia. Esse interesse aumentou ainda mais com a invasão da Rússia na Ucrânia, já que o comércio energético passa por interrupções e mudanças de dinâmica.
Tanto os EUA quanto a UE são dependentes do gás natural para a produção de energia, principalmente Bruxelas que vêm tentando cortar as importações russas, o seu principal fornecedor de combustíveis naturais.
Porém, as relações entre Moçambique e a União Europeia não são das mais amistosas, já que o ex-colonizador, Portugal, tenta aumentar a sua influência no país desde que a perdeu durante a independência da “colônia.” E com os Estados Unidos não é muito diferente, pois durante a Guerra Fria cerca de um milhão de moçambicanos foram mortos em conflitos relacionados de uma forma ou outra a Washington.
A situação social do país sofre com os altos níveis de pobreza e insegurança alimentar, mesmo com reservas naturais bilionárias.
Isso se dá por conta da grande corrupção no país que leva à falta de redistribuição das riquezas, extremamente concentradas em elites locais e políticas, e o desvio dos investimentos das organizações internacionais por parte do poder político.
O histórico recente de conflito islâmico no norte de Moçambique
Com as vulnerabilidades sociais, a falta de infraestrutura e grande porcentagem de fome na população, o ISIS ganhou força, como apontam especialistas, pelas dificuldades que a sociedade moçambicana enfrenta: “as queixas centrais são sobre a falta de controle que as pessoas locais têm sobre suas vidas.”
O conflito todo iniciou-se com a invasão de uma estação policial pela juventude moçambicana de Cabo Delgado para tomarem posse de armas, em 2017.
Desde então, o Estado Islâmico vêm tomando maior controle sobre a região e desde o início do conflito já foram contabilizados por volta de ao menos 3.100 mortos (de acordo com o Projeto de Localização e Dados de Eventos de Conflitos Armados, ACLED) e 856.000 refugiados (de acordo com a UNICEF).
O ISIS tem como objetivo tomar o controle governamental da região de Cabo Delgado, retirando-o do governo de Maputo, e se tornar uma área islâmica auto-governada.
Atualmente, o Estado Islâmico está avançando para a região de Niassa e Nampula, províncias vizinhas de Cabo Delgado.
O litoral de Moçambique possui uma tradição religiosa forte de muçulmanos e a população relata que são recrutados diariamente para fazer parte do exército terrorista.
Os recentes sucessos da força multinacional contra os insurgentes no norte de Moçambique
Em Julho de 2021, a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) enviou tropas para combater o ISIS em Moçambique. Além disso, Ruanda também enviou cerca de 2 mil tropas para a região e Botsuana enviou 300 tropas, e mais diversos outros países somaram suas forças militares.
Essas forças militares foram capazes de diminuir o avanço do Estado Islâmico e a quantidade de conflitos armados e combates diretos no distrito.
Após as missões militares, o presidente do país, Filipe Nyusi, havia incentivado as famílias refugiadas a voltarem aos seus lares.
Contudo, a ONU atentou que isso não era completamente a verdade sobre a situação, e que os refugiados e a própria população ainda necessitava ficar em alerta, já que o conflito ainda está acontecendo, principalmente na região Leste.
Como relatou a BBC, o jornal local “Carta de Moçambique” apurou que por volta de 7000 tropas locais enviadas pelo governo de Maputo eram mal pagos e que os salários que deveriam estar sendo destinados a elas na verdade eram desviados para ex-oficiais e suas famílias, mesmo que este não estivessem mais ativos militarmente.
Portanto, mesmo com os avanços militares, a presença do ISIS continua relevante e ameaçando a população moçambicana.
A tendência futura do conflito no norte de Moçambique
A situação da alta pobreza que afeta a população de Cabo Delgado, e de Moçambique como um todo, permite o avanço de iniciativas terroristas que se utilizam dessa vulnerabilidade para recrutar potenciais membros dentro da população que se sentem esquecidos pelo governo central.
Sendo uma região rica em recursos naturais, principalmente gás, mas com uma população extremamente pobre, a adesão a movimentos contra-governamentais como o ISIS pode ser um atrativo para a população local.
O governo nacional necessita de um maior investimento igualitário na infraestrutura do país (educação, saneamento básico, alimentação e etc) para dar mais oportunidades e esperança de uma vida melhor e assim desincentivar o aumento de grupos insurgentes que ameacem a integridade nacional.
Se isso não acontecer, é possível que o conflito que já dura cinco anos continue por mais tempo trazendo ainda mais violência e miséria para uma das regiões mais pobres do mundo….mesmo sendo rica em recursos naturais: a famosa “maldição dos recursos.”
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