A Rússia disse que está se desfazendo de todos os ativos em dólares americanos de seu “Fundo Soberano” e está aumentando as participações de outras moedas como o euro, yuan Chinês e ouro, o que analistas disseram ser um movimento político para enviar um sinal antes da cúpula presidencial no final do mês na Suíça entre o presidente Americano Joe Biden e o presidente Russo Vladmir Putin.
A Rússia tem reduzido gradualmente suas reservas em dólares desde a imposição de sanções ocidentais após a anexação da Crimeia por Moscou em 2014, e tem buscado se desvincular parcialmente do sistema financeiro ocidental.
Após as mudanças, que serão finalizadas em um mês de junho de 2021, o fundo Russo terá 40% de seus ativos em euros, 30% em yuans e 20% em ouro. O iene japonês e a libra esterlina do Reino Unido representarão 5% cada, segundo o Ministro de Finanças Russo.
A participação do dólar cairá de 35%, enquanto a participação da libra cairá pela metade. Ouro será adicionado ao NWF “National Wealth Fund” (Fundo de Riqueza Nacional ou Fundo Soberano) pela primeira vez.
O rublo – a moeda oficial Russa – se firmou marginalmente com a notícia, embora o primeiro vice-primeiro-ministro Andrei Belousov tenha dito não esperar que a mudança afetasse a taxa de câmbio.
Analistas do ING disseram que a medida implicava a venda de US$ 40 bilhões em favor do ouro, yuan e euro.
O NWF da Rússia, que acumula as receitas do petróleo da Rússia e foi inicialmente projetado para apoiar o sistema de pensões, tinha ativos de US$ 185,9 bilhões em 1º de maio de 2021. Esse fundo faz parte das reservas de ouro e câmbio da Rússia que totalizaram US$ 600,9 bilhões em 27 de maio.
O banco central da Rússia reduziu suas participações em títulos do Tesouro dos EUA em 2018 e cortou a participação do dólar em suas reservas de ouro e forex em 2020 para 21,2% em 1º de janeiro, ante 24,5% um ano antes. O banco central informa esses dados com uma defasagem de seis meses.
Segundo o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov: “Este processo de “desdolarização” está ocorrendo não apenas em nosso país, mas em muitos países ao redor do mundo que começaram a se preocupar com a confiabilidade da moeda de reserva mundial.”
Por que a “desdolarização” do fundo nacional Russo é importante?
A força do dólar americano como a “de facto” moeda de reserva mundial deixa os Estados Unidos em uma posição privilegiada se comparado a qualquer outro país do mundo.
Isso porque, por conta dessa força do dólar, a maioria das transações bancárias/financeiras do mundo são feitas em dólares. Além disso, a maior parte de petróleo e commodities também são negociadas em dólares americanos.
Essa força do dólar também se reflete na busca por títulos americanos como o principal e mais seguro investimento para países, grandes multinacionais, e grandes fundos institucionais. Sendo assim, até o momento, os Estados Unidos tem podido se endividar quase sem limites uma vez que sempre há demanda por seus títulos.
Qual o problema para os Estados Unidos se o dólar deixar de ser a principal moeda de reserva mundial?
A força mundial dos Estados Unidos é totalmente ligada à força de sua moeda. Com ela, os Estados Unidos podem se endividar quase que sem limites, usar essa dívida para aumentar o seu orçamento militar – quase igual ao orçamento militar dos próximos 7 maiores países juntos – e impor sanções efetivas em quase qualquer país, entidade, ou indivíduo uma vez que quase toda transação financeira passa por bancos americanos devido ao uso do dólar.
Se o dólar começar a perder a sua importância da mesma forma que a libra esterlina começou a perder sua importância com o colapso do Império Britânico, os EUA perderam o principal pilar de sustentação de sua hegemonia. Com isso, outro pilar secundário, mas essencial, também enfraquecerá: o poderio militar Americano.
Sem poder emitir dívida com tanta facilidade, os EUA poderão começar a ter dificuldades para manter o seu orçamento militar de quase US$ 700 biliões por ano, e assim se manter à frente tecnologicamente da China e Rússia. Isso enfraquecerá a principal arma geopolíticas dos Estados Unidos.
Finalmente, se mais países e entidades começarem a usar outras moedas para suas transações e reservas globais, eles não precisaram mais usar o sistema bancário Americano e seu sistema SWIFT de transferências internacionais de dinheiro. Com isso, se houver sanções contra eles, esses poderão facilmente evadi-las usando outras moedas e sistemas bancários de outros países, tornado assim menos efetiva a segunda maior arma geopolítica Americana.
Eventualmente, os Estados Unidos se enfraqueceram em geral e assim diminuirão a sua influência no mundo, possivelmente deixando de ser um país hegemônico.
Que a Rússia, rival natural dos Estados Unidos esteja tentando enfraquecer o dólar, não é nenhuma surpresa. A Rússia tem um interesse especial em fazer isso rapidamente e minar a confiança global no dólar porque é um petro-estado e um rival estratégico os Estados Unidos.
Porém, outros rivais Americanos e países que não estão confortáveis com esse privilégio do dólar também estão reduzindo drasticamente a participação do dólar em suas reservas cambiais nas últimas duas décadas.
No entanto, é improvável que a Rússia ou qualquer outro país limpe totalmente o seu sistema financeiro de todos os dólares americanos uma vez que ainda não há uma moeda global que possa substituir a moeda do Tio Sam.
Existem outras moedas no mundo que poderiam substituir o dólar como principal moeda de reserva mundial?
Sempre quando há essa discussão sobre o poder excessivo do dólar americano e qual seria uma alternativa viável, duas moedas vêm constantemente à mente: o Euro (a moeda comum da União Europeia) e o Yuan Chinês. Porém, ambas têm suas desvantagens em relação ao dólar Americano.
O Euro e a União Europeia em si ainda são projetos não-terminados. A União Europeia não é um país, mas um híbrido de instituição multilateral e uma federação onde grande parte do poder ainda está nas mãos das nações-estados membros.
E o Euro, que um dia será a moeda oficial de toda a união, ainda peca pela falta de união fiscal dentro da União Europeia. Se bem que, a emissão conjunta de dívida pela União Europeia (Banco Central Europeu) representando os 27 países membros para combater as consequências econômicas da pandemia do Covid, foi um primeiro passo nessa direção.
Mas o Euro, apesar de já ser a segunda moeda mais comercializada do mundo, ainda tem um longo caminho a seguir para se tornar tão confiável quando o dólar Americano que é suportado pelo poderoso Fed “Federal Reserve Bank (Banco Central Americano).
Já o Yuan da China, apesar de ser a moeda da segunda maior economia e potência do mundo, ainda está longe de ser tão utilizado quanto os seus outros pares, o dólar e o euro. O fato da China ainda ter um sistema financeiro muito fechado e um controle do Estado Chinês sobre a moeda muito intenso, não torna o Yuan um candidato forte para ser a moeda de reserva mundial uma vez que essa precisa ser negociada e ter o seu valor livre de interferências governamentais.
Talvez ainda não seja o fim do reinado do dólar americano, mas com os Estados Unidos abusando do seu privilégio de emissor da moeda global, cada dia mais outros países concluíram que essa é uma situação injusta e se juntaram à Rússia em buscar uma alternativa mais sólida e menos parcial ao dólar.