- Desde sua fundação, a ECOWAS desempenhou um papel importante na política Oeste Africana, intervindo em conflitos e golpes para preservar a ordem a democracia;
- A complexidade das políticas de países africanos põe à prova a capacidade da aliança de coordenar soluções para os frequentes golpes na região;
- A saída de importantes países da aliança demonstra as tensões internas e preocupações com a direção da organização.
A ECOWAS desempenha um papel central na dinâmica política e estabilidade no Oeste da África desde a sua criação.
No entanto, sua eficácia enfrenta testes significativos diante dos recorrentes desafios relacionados a golpes militares, instabilidade política e crises de governança que assolam o Oeste da África.
O que é a ECOWAS e quais são os países participantes?
A ECOWAS (na sigla em inglês), ou Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental, é uma organização regional composta por 15 países da África Ocidental e foi criada inicialmente a partir dos antigos territórios franceses, britânicos e portugueses da região e da Libéria independente.
A comunidade foi criada com o objetivo de promover a cooperação econômica e a integração regional entre os estados membros, mas também evoluiu para incluir cooperação política e militar. A ECOWAS foi fundada em 28 de maio de 1975, em Lagos, na Nigéria, e entrou em vigor em 1977.
Os países membros da ECOWAS são:
- Benin
- Burkina Faso
- Cabo Verde
- Costa do Marfim
- Gâmbia
- Gana
- Guiné
- Guiné-Bissau
- Libéria
- Mali
- Níger
- Nigéria
- Senegal
- Serra Leoa
- Togo
Desde os anos 1990 a ECOWAS tem atuado na região conhecida como “cinto de golpe” e tem buscado promover a democracia contra regimes autoritários. Segundo a BBC, 78% dos golpes na África Subsaariana desde 1990 ocorreram em ex-colônias francesas, levantando questões sobre o impacto da influência francesa na estabilidade da região.
Como resposta, governos de transição no Mali e Burkina Faso cancelaram acordos militares com a França e removeram o francês como língua oficial. Já a ECOWAS enfrentou críticas por respostas consideradas leves e ineficazes nos primeiros anos de 2020, quando três países membros sofreram golpes militares.
Por esse e outros motivos, os países do Mali, Burkina Faso e Níger anunciaram sua saída imediata da Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental em Janeiro de 2024. Atualmente governados por autoridades militares que assumiram o controle dos líderes civis, os três países, membros fundadores da ECOWAS em 1975, expressaram decepção com a direção da organização.
O porta-voz da junta do Níger, Coronel Amadou Abdramane, lamentou a distância percebida entre a ECOWAS e os ideais originais do Pan-Africanismo, criticando a falha da organização em apoiar efetivamente os países na luta contra o terrorismo e a insegurança.
Intervenções da ECOWAS em Conflitos e Golpes Militares
As intervenções da ECOWAS em conflitos e golpes militares na região da África Ocidental são uma parte significativa de seus esforços para promover a estabilidade na região.
A organização demonstrou proatividade para intervir em situações críticas, buscando resolver conflitos e restaurar a ordem política. Aqui estão alguns exemplos notáveis de intervenções da organização, com uma avaliação da eficácia dessas ações e os desafios enfrentados:
- Intervenção na Guerra Civil da Libéria (1990-1997):
- Em 1990, líderes da África Ocidental enviaram uma força militar neutra, o Grupo de Monitoramento da CEDEAO (ECOMOG), para intervir na guerra civil na Libéria entre as forças do Presidente e facções rebeldes, restaurando alguma segurança.
- A presença de aproximadamente 12.000 soldados da ECOMOG na Libéria resultou em uma série de abusos dos direitos humanos, apesar de ajudar a trazer estabilidade à região, e essas tropas se retiraram em 1999, dois anos após a eleição de Charles Taylor como Presidente.
- Após o término do conflito de 14 anos em 2003, forças da África Ocidental foram novamente mobilizadas para manter a paz, sendo que cerca de 3.600 tropas foram realocadas para uma operação de manutenção da paz da ONU que se estendeu até 2018.
- Intervenção na Guerra Civil da Serra Leoa (1999-2000):
- Em 1998, uma força liderada pela Nigéria da ECOMOG interveio na guerra civil de Serra Leoa, visando expulsar uma junta e rebeldes aliados da capital Freetown, restaurando o Presidente Ahmad Tejan Kabbah, que havia sido deposto em um golpe no ano anterior.
- Após a intervenção bem-sucedida, em 2000, a força da ECOMOG se retirou, transferindo as operações de manutenção da paz para uma missão da ONU, marcando o fim de uma década de conflito.
- Intervenção na Crise Política na Costa do Marfim (2010-2011):
- Em resposta à crise política e à recusa do ex-presidente Laurent Gbagbo em aceitar os resultados eleitorais, a ECOWAS tomou medidas para restaurar a estabilidade na Costa do Marfim.
- A intervenção liderada pela ECOWAS, com apoio da comunidade internacional, contribuiu para a resolução da crise e a instalação do presidente eleito Alassane Ouattara. No entanto, alguns desafios persistiram, destacando a complexidade das dinâmicas políticas na região.
- Gâmbia (2017):
- Em 2017, a CEDEAO mobilizou 7.000 soldados do Senegal para a Gâmbia, forçando o Presidente Yahya Jammeh a se exilar e transferir a presidência para Adama Barrow, após ter sido derrotado por este nas eleições.
- A operação, denominada “Restauração da Democracia”, foi conduzida sem enfrentar resistência das forças de segurança de Jammeh e por isso foi considerada um grande sucesso.
Ao longo das intervenções da ECOWAS em conflitos, enfrentar desafios com a coordenação logística e financeira tem sido uma realidade constante. Os problemas de organização e recursos financeiros insuficientes têm impactado diretamente na eficiência das operações.
Outro ponto crítico diz respeito às questões de legitimidade e imparcialidade que algumas intervenções enfrentaram. Dessa forma, críticas foram direcionadas à ECOWAS destacando a necessidade de abordar essas falhas.
Golpes ou tentativas de golpes recentes em que a ECOWAS atuou e o silêncio da China na intervenção desses eventos
- Gabão – 2023 (Golpe):
- Após as eleições presidenciais de 26 de agosto de 2023 no Gabão, o presidente em exercício, Ali Bongo, foi declarado vencedor para um terceiro mandato. No entanto, alegações de fraude e irregularidades levantaram dúvidas sobre a legitimidade dos resultados, especialmente por parte da oposição, incluindo Albert Ondo Ossa, segundo colocado nas eleições.
- Em meio ao crescente escrutínio e protestos sobre a conduta das eleições, as Forças Armadas do Gabão lançaram um golpe antes do amanhecer em 30 de agosto de 2023. Liderados por oficiais de alto escalão, os soldados assumiram o controle dos principais edifícios governamentais, canais de comunicação e pontos estratégicos em Libreville. O golpe ocorreu logo após a reeleição de Bongo ser declarada, com os militares anunciando a anulação das eleições e a dissolução das instituições estatais, citando problemas de governança e riscos de caos.
- A ECOWAS condenou o golpe e o Gabão foi suspenso da União Africana (African Union).
- Níger – 2023 (Golpe):
- Um golpe de Estado ocorreu no Níger em 26 de julho de 2023, liderado pela guarda presidencial, resultando na remoção e detenção do presidente Mohamed Bazoum. O general Abdourahamane Tchiani proclamou-se líder do país, estabelecendo o Conselho Nacional para a Salvaguarda da Pátria.
- Em resposta, a ECOWAS emitiu um ultimato em 30 de julho, exigindo o restabelecimento de Bazoum até 6 de agosto, ameaçando com sanções internacionais e uso da força. Após o término do ultimato, em 10 de agosto, a ECOWAS ativou sua força de reserva em preparação para uma possível intervenção militar. As tensões continuam enquanto a situação política no Níger permanece volátil, com a junta militar nomeando um novo governo e a ECOWAS buscando soluções diplomáticas para restaurar a ordem constitucional.
- Burkina Faso – 2022 (Golpe) e 2023 ( Tentativa de Golpe):
- Após a intervenção da OTAN na Primeira Guerra Civil Líbia em 2011, os ataques islâmicos em Burkina Faso e no Mali se intensificaram, levando Burkina Faso a lutar contra o Estado Islâmico e a Al-Qaeda em partes do país desde 2015. No entanto, as forças militares enfrentaram desafios significativos devido à falta de equipamentos e logística, resultando em descontentamento entre os militares.
- Em agosto de 2021, 100 membros das Forças Armadas de Burkina Faso conspiraram para tomar o controle do país, culminando em um golpe bem-sucedido em janeiro de 2022. Os militares detiveram o presidente Roch Marc Christian Kaboré e suspenderam o governo, o parlamento e a constituição. A junta militar impôs toque de recolher, fechou as fronteiras e prometeu organizar novas eleições. A União Africana e a ECOWAS suspenderam Burkina Faso após o golpe. O presidente Kaboré renunciou, e Paul-Henri Sandaogo Damiba foi nomeado presidente interino, com um processo de transição de três anos para novas eleições planejado.
- Em 25 de setembro de 2023, a revista Jeune Afrique publicou um artigo sobre as crescentes tensões entre oficiais militares descontentes em Ouagadougou. As tensões surgiram após a morte de Zanga Moumouni Traore, um comandante da VDP, durante um confronto com jihadistas perto de Bobo-Dioulasso, devido à falta de equipamento adequado. Como resultado, a junta de Burkina Faso suspendeu a Jeune Afrique de relatar dentro do país, rotulando os artigos como “falsos”.
- Na noite de 26 de setembro, contas de mídia social pró-Traoré postaram mensagens incentivando os apoiadores da junta, conhecidos coloquialmente como “Guardiões da Transição”, a protestar em apoio a Traoré após rumores de um possível golpe. Protestos pró-junta também ocorreram nas cidades de Bobo-Dioulasso e Gaoua. Na manhã de 27 de setembro, protestos menores eclodiram no centro de Ouagadougou contra o governo de Traoré, mas foram rapidamente dissipados. Naquela noite, a junta afirmou que uma tentativa de golpe por oficiais de segurança de alto escalão foi frustrada graças à inteligência reunida pela agência de inteligência de Burkina Faso. Quatro oficiais foram presos em conexão com a tentativa de golpe, e outros dois estavam foragidos.
- Guiné – 2021 (Golpe):
- O coronel Mamady Doumbouya depôs o presidente Alpha Conde em 2021, após Conde alterar a constituição para buscar um terceiro mandato. No dia 5 de setembro de 2023, soldados guineenses dispararam perto do Palácio Presidencial em Conacri, resultando na detenção do presidente Alpha Condé pelas forças militares. O coronel Mamady Doumbouya anunciou na televisão estatal a dissolução do governo, a anulação da constituição e o estabelecimento de um Comitê Nacional de Reconciliação e Desenvolvimento para liderar uma transição de 18 meses.
- Após a deposição de Condé, a junta militar impôs um toque de recolher nacional, substituiu os líderes regionais e ministros por comissários militares e secretários-gerais, e declarou controle total sobre as forças armadas e a administração do país. O desafio agora é garantir o retorno ao governo civil e enfrentar a insatisfação popular.
- Chade – 2021 (Golpe):
- Após ataques do FACT em abril de 2021, houve confrontos entre as forças do governo chadiano e rebeldes, resultando na morte do presidente Idriss Déby em combate. Seu filho, Mahamat Déby, assumiu o controle do Conselho Militar de Transição do Chade (TMC).
- Apesar das alegações de vitória do governo, os combates persistiram, gerando preocupações internacionais e protestos em N’Djamena por uma transição civil. Países como França, Estados Unidos e China expressaram suas posições, enquanto os chadianos protestavam contra a aquisição militar e o TMC proibia manifestações.
- Mali – 2020 (Golpe) e 2021 (Contragolpe):
- Os protestos no Mali em junho de 2020, motivados por várias questões, culminaram em um golpe de Estado em 18 de agosto de 2020. Os manifestantes exigiam a renúncia do presidente Keïta, levando os militares a assumirem o controle.
- Após a renúncia de Keïta, os militares formaram o Comitê Nacional para a Salvação do Povo e impuseram um toque de recolher. Prometeram novas eleições, enquanto especialistas propuseram um governo interino de dois anos. Em setembro, Bah Ndaw foi nomeado presidente interino, marcando o início de uma transição política de 18 meses.
- Em agosto de 2020, o presidente Keïta foi removido do poder por militares liderados por Assimi Goïta e Ismaël Wagué, após meses de agitação política. Keïta renunciou, dando lugar ao Comitê Nacional para a Salvação do Povo (CNSP), prometendo eleições futuras.
- Tensões surgiram entre o governo civil de transição e os militares, levando a um segundo golpe em maio de 2021, com N’Daw e Ouane sendo destituídos. Goïta foi nomeado presidente de transição. A ECOWAS interveio, mas o governo militar propôs prorrogar a transição por mais cinco anos, resultando em sanções e, posteriormente, um acordo para eleições gerais até fevereiro de 2024.
Diante desses eventos, a China, como segunda maior potencia do mundo, optou por permanecer em silêncio na maioria dos golpes ocorridos na África devido a razões estratégicas e políticas:
- Princípio de não intervenção nos assuntos internos de outros países: A China tradicionalmente segue uma política de não intervenção nos assuntos internos de outros países, como parte de sua diplomacia conhecida como “não interferência nos assuntos internos”. Isso significa que a China evita criticar ou interferir nas questões políticas internas de outros países, incluindo golpes militares, a menos que sua própria segurança ou interesses vitais estejam diretamente ameaçados.
- Manutenção de boas relações diplomáticas: Ao permanecer neutra em relação aos golpes, a China evita alienar os governos estabelecidos ou os novos líderes que surgem dessas situações políticas voláteis. Isso permite que a China mantenha relações comerciais e diplomáticas estáveis com os países africanos, independentemente de quem esteja no poder.
- Proteção de seus investimentos: Ao evitar tomar partido em golpes políticos, a China busca proteger seus investimentos e interesses comerciais na África. Tomar uma posição pública poderia levar a retaliações por parte dos líderes golpistas ou seus apoiadores, colocando em risco os projetos e negócios chineses na região.
- Priorização da estabilidade e continuidade: A estabilidade política é fundamental para os interesses de longo prazo da China na África. Ao permanecer neutra, a China busca manter a estabilidade política na região, evitando desencadear mais conflitos ou instabilidades ao tomar partido em golpes.
A posição estratégica da China busca preservar seus interesses políticos e econômicos de longo prazo na região, dessa forma a pouca – ou a ausência – manifestação chinesas contra as tentativas de golpe e contra os golpes é justificada.
Qual é a importância da ECOWAS na estabilidade e geopolítica Oeste Africana?
À medida que golpes militares e crises políticas continuam a desafiar a estabilidade no Oeste da África, a ECOWAS encontra-se em uma encruzilhada.
A história da organização em intervenções em conflitos destaca sua importância na promoção da estabilidade política, defesa dos princípios democráticos, colaboração econômica e cooperação em segurança regional. As intervenções da ECOWAS em conflitos e golpes demonstram sua determinação em preservar a ordem constitucional e defender os princípios democráticos na região.
Embora tenha enfrentado críticas por respostas consideradas leves em algumas situações, a organização tem desempenhado um papel vital na resolução de crises e na restauração da estabilidade em países como Libéria, Serra Leoa, Gâmbia e Costa do Marfim.
No entanto, a resistência interna nos países afetados, a falta de apoio popular e as complexas políticas locais testam sua capacidade de coordenar ações eficazes diante dos golpes frequentes que sobrecarregam a região. Nesse cenário, a importância da ECOWAS para a geopolítica do Oeste da África permanece crucial, apesar das suas recentes dificuldades especialmente diante de golpes recentes e tentativas de golpes em países como Níger, Burkina Faso e Mali.
A saída desses países da ECOWAS reflete as tensões internas e as preocupações com a direção da organização. Além disso, a posição da China como segunda maior economia do mundo, optando por permanecer em silêncio diante da maioria desses eventos, destaca a complexidade da dinâmica geopolítica na região e a necessidade de uma abordagem assertiva para promover a estabilidade.
Diante disso, mesmo que a organização tenha sido essencial em vários momentos para a promoção da estabilidade na região e tenha atuado como um contrapeso a ameaças como golpes militares e instabilidade governamental, a comunidade da ECOWAS está claramente enfraquecida, especialmente com a saída de três de seus notáveis membros. Isso pode trazer ainda mais futura instabilidade para uma região do globo já historicamente fragilizada.